A literatura de Kazuo Ishiguro é marcada por temas como morte e guerra. Mais que isso: ele busca mostrar como preservar a memória pode tanto trazer benefícios como malefícios. É o que norteia livros como “Os Vestígios do Dia”, “Não Me Abandone Jamais” (seus best-sellers) e seu mais recente lançamento, “O Gigante Enterrado”, que saiu em 2015. Ishiguro foi anunciado nesta quinta-feira, 5, como o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2017.
“Escrever é minha única forma de preservar a memória – não de uma forma científica, mas de como o homem consegue preservar sua dignidade ao longo dos tempos”, disse o escritor ao Estado, há dois anos.
É possível notar que todos seus romances são, na verdade, em parte sobre a volta do passado, o repúdio ao passado. E os efeitos que incidentalmente resultam desse repúdio.
Para tratar de temas tão abertos e importantes para o homem, Ishiguro opta por personagens de pouca relevância social, como o mordomo de “Os Vestígios do Dia”, que chega ao fim da vida com a sensação de tê-la desperdiçado a serviço de um lorde inglês, ou os estudantes que são preparados para se tornar “doadores de órgãos” na vida adulta em “Não Me Abandone Jamais”, ou mesmo o casal de idosos que, ao decidir partir em busca do filho, não se lembra de suas feições tampouco de seu paradeiro, tema de “O Gigante Enterrado”.
“Nesse romance, questiono se essas lembranças não estão de fato enterradas e se elas, ao ressurgirem, não podem provocar um novo ciclo de violência. Isso leva a um novo dilema, pois não sabemos se é melhor provocar mesmo um conflito para então recomeçar ou se seria melhor manter essa memória enterrada e esquecida”, disse ainda Ishiguro.
O que mais impressiona é a forma de linguagem adotada pelo escritor para narrar temas que, em outras mãos, beirariam o apocalipse – na maioria das vezes, Ishiguro se enquadra na tradição realista inglesa, em que a sutileza predomina mesmo na descrição de momentos cruéis da realidade, na maioria das vezes acobertados por eufemismos e subentendidos. Na verdade, o escritor nascido no Japão é igualado a Kafka como um grande fabulador burocrático da ansiedade, sua arquitetura imaginativa.