Variedades

Popload opõe Phoenix e PJ Harvey, Ventre e Carne Doce, e promove união indie

Era uma batalha, sem que houvesse, necessariamente, vencedores.
E nem precisava de um.

Ao fim de dez horas de Popload Festival, de muito suor e até algumas lágrimas, o Phoenix deixou o palco montado no Memorial da América Latina, na Barra Funda. A noite já trazia o frescor que faltou no espaço desenhado por Oscar Niemeyer ao longo da tarde.

Quando Neon Indian abriu as atividades por ali, às 13h20, o termômetro marcava 32°C, mas era de se duvidar. Parecia mais. Beeem mais.

Até nisso, o Popload Festival choca os opostos. O frescor da noite com o inferno na Terra do início de tarde.

Em tempos de dicotomias, “nós versus eles”, o festival chega à quinta edição quebrando as bipolaridades. Tal qual em 2016, quando uniu a candura ardida do Wilco e a rebeldia desvairada dos Libertines.

União

Essa é a palavra. Porque fãs de PJ Harvey podem se divertir ao som do Phoenix. E vice-versa. Quem curte a melancolia ruidosa da Ventre tem como se identificar com o discurso burilado por uma guitarra que passeia por ambientes solares, psico-pops, de Salma Jô e a Carne Doce.

O “opõe” usado no título desse texto não é usado no sentido de “choque” entre discurso com o outro, estética e musicalmente falando. Vem no sentido de interligar o que não é semelhante, mas podem dialogar musicalmente.

O Popload Festival supre um espaço no music business brasileiro deixado vago pelo festival Planeta Terra – e pelo Tim Festival, Claro Q É Rock, entre tantos outros que vieram antes deles -, de dar espaço para a música independente no seu melhor. E, mais: sem obrigar ninguém a se locomover até o Autódromo de Interlagos e andar sei lá quantos metros (ou quilômetros) de um palco para o outro.

Com uma curadoria atenta e não apelativa, o festival ofereceu às pouco mais de 8 mil pessoas presentes no Memorial da América Latina, uma paleta de cores do que é o indie hoje e ontem.

Chillwave para chill debaixo do sol

A partir do chillwave-quase-soul-music de Neon Indian, que se apresentou para uns poucos, porém animados, no início da tarde. Nuances de pista cromatizam a apresentação de Alan Palomo e banda, embora a performance vocal do norte-americano não tenha suingue e alcance necessários para as músicas mais gingadas – e o cover de Prince, que encerrou a performance, foi quem mais sofreu com isso.

Melancolia e o feminino

Com pouco tempo de palco, as duas bandas brasileiras selecionadas neste ano são amostras de como o indie já deveria estar nas rádios. Cada uma a sua maneira, flerta com o universo pop, sem conceder espaço demais e limitar a criação.

O power trio Ventre, por exemplo, é agressivo e expansivo na medida certa. A cozinha criada por Larissa Conforto na bateria e Hugo Noguchi, o aniversariante do dia, no baixo, é arrebatadora. Sustentam a voz e guitarra de Gabriel Ventura no ar, elevando-a para o alto. Melancolia ruidosa de primeira.

A Carne Doce segue, cada vez mais, na sua ascensão. Salma Jô já não é mais surpresa, mas a forma dela de empossar a voz, a partir do âmago, ainda causa arrepios. No discurso, o feminino. Nas guitarras, baixo e bateria, a flutuação para uma região sonora muito particular da banda: um terreno no qual é possível ser pop e psicodélico, na mesma medida, sem barreiras.

Candura afiada

E há de se entender as condições climáticas como um fator importante para uma performance, mas não determinante. É claro, o som do Daughter funcionaria melhor sem aquele sol torrando a pele alvíssima de Elena Tonra, mas, simpática, ela soube se livrar da adversidade – inclusive, do pedal da guitarra, que não funcionou da forma necessária nas primeiras canções.

No palco, o trio se torna um quarteto, e seu som se propaga mais. Há, na candura da voz de Elena, uma faca bem afiada a fim de encontrar as dores de coração. Leve, ela perfura até o momento no qual não há escapatória, a não ser se emocionar. Aflitivamente delicioso.

Com o fim da tarde desta quarta, 15, o Popload Festival se encaminhava para suas duas atrações derradeiras – isso sem contar com o show surpresa do duo AlunaGeorge, que levou a incrível nova dama do pop nacional Iza, em uma ação da marca de cervejas Heineken.

Expansão e retração

PJ Harvey talvez tenha feito de propósito, talvez não, mas o atraso de 20 minutos para o início da apresentação foi determinante para dar, ao entardecer, a introspecção destruidora das suas canções. No palco, Polly Jean é nuclear. É explosão e retração, num movimento contínuo de brilho e trevas.

Inventiva desde os anos 1990, PJ era diferente do grunge, embora tenha sido colocada na mesma prateleira. Era elogiada por Kurt Cobain, afinal. Suas canções abordam um aspecto da desolação, da destruição e do fim.

De carreira intensa e extensa, aos 48 anos, a inglesa mantém sua identidade estética atual na performance. É seu novo álbum, The Hope Six Demolition Project, lançado no ano passado, o centro gravitacional do show. Um disco sobre o apocalipse atual, da guerra, da destruição que ocorre do outro lado do mundo e, com excessões, é ignorada pela maioria. Artista que instiga, PJ lidera uma marcha fúnebre sobre um fim que já chegou – e, por vezes, nos esquecemos disso.

É claro, ainda há as catardes nostálgicas, com 50 Ft Queenie e Down By Water, mas essas canções já estão despidas da fúria guitarrística. Hoje, são mais acalantadas pela sombra do tempo. Arredias ainda, mas de forma mais fosca.

Uma noite na riviera francesa

E, das sombras, a luz. Com o Phoenix, o Popload Festival encontrou, na euforia indie, sua catarse definitiva. Era por eles que a maioria estava ali, afinal.

Refrescante como aquele início de noite, o grupo liderado por Thomas Mars é regojizo. Suas guitarras são leves, dispostas apenas a deixar os riffs de teclado envolverem o público nessa onda de good vibes.

E, para seguir com a metáfora marinha, a chegada do Phoenix bate e leva as dores com ela. Limpa, reabilita, redime. Mesmo que Ti Amo, o disco mais recente do grupo, não seja tão eficiente nesse processo quanto os antecessores (e ótimos) Wolfgang Amadeus Phoenix e Bankrupt!, a banda opta por manter as seis canções do álbum no repertório.

E elas acabam por criar espaços de respiro e fôlego – ainda que a sequência de Rome e Telefono, lá para o final da performance, seja bem efetiva.

Mars é showman, daqueles que se entrega ao espetáculo. As cores ao fundo, projetadas no telão, e nas mãos dos músicos, avivam a vibe “verão de bermudas, camisa de botões abertos, chapéu panamá, sandálias nos pés e o mar azul” que o Phoenix imprime no seu som.

São diretamente opostas ao promovido pela PJ Harvey. Assim como Ventre está no outro lado da esfera ocupada pela Carne Doce. E tudo bem.
Completam-se.

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