Foram os Sex Pistols. Equilibrando a falta de jeito com os respectivos instrumentos com atitude enérgica no palco, o quarteto inglês mexeu com a cabeça do jovem Bobby Gillespie, nascido em Glasgow, na Escócia. “Com eles, aprendi que poderia ser criativo”, conta o músico, por telefone, de Londres. “Não sei quem eu seria hoje, não fosse por aqueles caras. Eles mostravam que poderíamos nos vestir como quiséssemos. Que você poderia perseguir suas ideias por conta própria. Aquilo abriu minha cabeça quando adolescente. O que eu tenho, hoje, é por causa do rock e do punk.”
Na música, tudo é consequência. Gillespie surge por causa de Sex Pistols, uma banda criada por Malcolm McLaren depois de testemunhar o que viria ser o punk em Nova York. Punk, este, que nasceu de uma necessidade de ser contrário à cultura hippie, criada a partir de conceitos antibélicos – e por aí vai.
Nessa brincadeira de causa de consequência, como aquela brincadeira de enfileirar peças de dominó, Gillespie está, com seu Primal Scream, como a banda que ajudou a fundamentar as bases do que viria ser conhecido como britpop, a resposta britânica e mais limpinha ao grunge sujo que vinha de Seatle e dos Estados Unidos.
É esse o nível de importância do sujeito que lidera uma das mais prolíferas e incansáveis bandas da sua geração – aliás, é talvez uma das poucas a ser capaz de se manter, tendo lançado 11 discos em 30 anos de existência. Quem produz com a mesma frequência?
Isso também ajuda a entender a importância do anúncio a seguir. O jornal O Estado de S. Paulo revela, em primeira mão, a vinda de Gillespie, o homem que viu o futuro da música pop britânica, e Primal Scream a São Paulo. Trata-se do retorno seis anos após a passagem, realizada na onda da celebração do disco mais importante da carreira deles, o Screamadelica, de 1991. Realizada pelo selo e produtora Balaclava Records, a passagem por aqui ocorrerá no palco do Tropical Butantã, em 28 de fevereiro. Será a quarta vez do Primal Scream pelo País. “Na primeira vez, tocamos no mesmo festival (o Tim Festival) que a PJ Harvey. Foi incrível”, relembra, surpreendentemente, o vocalista.
Gillespie é um homem que busca, sempre, ver o futuro. Em 1991, por exemplo, nenhuma outra banda de rock foi capaz de prever o futuro tão bem quanto o Primal Scream. O ex-baterista do The Jesus and Mary Chain havia lançado, com sua banda, um disco de produção caríssima e problemática, o Sonic Flower Groove, em 1987. Dois anos depois, veio Primal Scream, o disco, mais guitarreiro, mas ainda frágil e pouco ouvido na época.
Então, veio Screamadelica. E, para entendê-lo, é preciso voltar no tempo. As raves, aquelas festas longuíssimas embaladas pelas batidas eletrônicas em looping e coloridas pela ingestão de alucinógenos, já tomava conta das cabeça dos jovens. Aquilo que era contraventor, eufórico. Estar chapado de som e drogas sintéticas era o escape, a contracultura britânica. Uma fuga de dias cinzentos de um país liderado pela Dama de Ferro de Margaret Thatcher, como foi o verão do amor, em 1967, e seus hippies e o punk surgido depois em oposição à isso.
Screamadelica, lançado em 1991, unia a fritação das raves e da evolução mais alucinógena da dance music para o universo das guitarras. Enquanto isso, os jovens dos Estados Unidos seguiam seu curso de reclusão juvenil até a explosão raivosa do grunge. No Reino Unido, a onda era menos sombria. E Gillespie havia mostrado o caminho.
Chaosmosis, o álbum mais recente, de 2016, vai diretamente de encontro a uma música eletrônica mais avançada, de batidas que voltam a ser secas, e abertas. Os vocais ganham efeitos. De guitarra pouso se ouve. “Sabe o que nos faz seguirmos em frente? É a paixão. Nós somos conduzidos para isso”, explica ele, sobre a mutação constante do Primal Scream. “Muitas das minhas músicas são sobre o sentimento de desolação. Como se eu observasse uma folha se soltar da árvore e descer, dançando, até o chão manchado de sangue.” E que isso, esperamos, não seja uma previsão de futuro.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.