Em 2001, Thierry Frémaux fez sua primeira montée des marches como delegué-général do Festival de Cannes, para apresentar sua primeira seleção oficial. O filme – Moulin Rouge, o musical definidor da modernidade, de Baz Luhrmann, com Nicole Kidman. E Ewan McGregor – “There was a boy…” Mas Frémaux não veio a São Paulo para contar suas memórias de Cannes – o que, aliás, fez num livro que nenhuma editora brasileira está se dignando a publicar no País. Veio apresentar seu longa de estreia como diretor – Lumière! A Aventura Começa.
A pedra fundadora do cinematógrafo dos irmãos Auguste e Louis Lumière. La sortie des usines. A saída da fábrica. Partindo dessa imagem fundadora e visitando o catálogo dos Lumières, Frémaux seleciona 108 de um total de 1.428 filmes de 50 segundos cada um. Por meio deles, e numa narrativa na primeira pessoa – gravada em três dias, porque, inicialmente, cometeu a “betîse” (besteira) de achar que poderia improvisar; “Escrevi um texto e, aí sim, improvisei em cima dele” -, Frémaux não apenas conta a história de Auguste e Louis. Narra uma história do cinema, e da França. O começo de tudo.
Por que os Lumières? Talvez pelo mais simples dos motivos. Lyonnais – nascido em Lyon -, Frémaux acumula, com a função de delegado-geral do Festival de Cannes, a de diretor do Institut Lumière, que, entre coisas, salvaguarda o patrimônio histórico e artístico dos irmãos. Ele já era diretor do Instituto quando o lendário Gilles Jacob o chamou para fazer a seleção oficial do maior festival do mundo. Trabalharam juntos por mais de dez anos e, quando Jacob se aposentou, o novo diretor-geral, Pierre Lescure, o confirmou no cargo. Mas Frémaux nunca desistiu do Instituto Lumière. Nem dos irmãos.
“A ideia, no fundo, é mostrar que, a despeito de toda a evolução tecnológica, o básico do cinema já estava todo na obra dos Lumières.” Os filmes originais foram restaurados e a imagem, de tão bela, parece ter sido captada com recursos de hoje. O próprio Frémaux, como narrador, direciona o olhar do espectador. “Adoro as visitas guiadas de museus, e no fundo é um pouco o que faço no filme. Acostumei-me a fazer sessões comentadas no Instituto, não apenas dos filmes dos Lumières, mas também de grandes autores que convidamos e homenageamos. Comentar as sessões, e os autores, é chamar a atenção para eles, ressaltando aspectos fundamentais de seus filmes. É o que faço aqui.”
Abaixo, você encontra mais informações sobre o filme, e os Lumières. O que não se pode é desperdiçar a oportunidade de conversar com o homem que assina a seleção do maior festival do mundo sem falar com eles sobre… Cannes! O livro de Frémaux chama-se Selection Officielle, Seleção Oficial, e ele conta os bastidores da edição do ano passado.
Por que 2016?
“Há tempos que já vinha com essa ideia, de produzir um livro sobre os bastidores e meandros da seleção. Não se trata de uma resposta às críticas, e aos críticos. O festival tem suas normas, seus protocolos, e é bem esclarecê-los. Ao mesmo tempo, somos cinéfilos – você, eu. Milhões como nós, ao redor do mundo. Não existe nada que um cinéfilo venere mais do que uma visão de “dentro” de seus filmes e autores preferidos.”
Ok – já que vamos falar de Cannes, por que o festival não seleciona mais filmes brasileiros?
“Essa é a pergunta que todos me fazem, em todos os países que visito. Tenho certeza que Cannes abrigou grandes filmes brasileiros, os melhores do ano. Me aponte um grande filme que, tendo sido submetido à comissão, e a mim, não tenha sido selecionado. Não tenho preconceito contra ninguém, nenhum país ou autor. Mas uma seleção é só uma combinação de filmes possíveis. O próprio júri agrega mais uma variável. A Palma não é necessariamente o melhor filme. É o melhor para aquele júri, mas outra composição de jurados poderia levar a outra premiação. Este ano o Brasil participou e foi premiado na Semana da Crítica (com Gabriel e a Montanha, de Fellipe Barbosa). Se estivesse em outra mostras, quem garante que teria sido premiado?”
Justamente, as diferentes seções. Quantas vezes, Un Certain Regard e a Quinzena dos Realizadores não apresentam seleções melhores que a competição?
“Você acha, mesmo? Os filmes parecem melhores porque não estão na competição, só isso.”
Outra crítica – sempre os mesmos na seleção oficial.
“Je men fous do que dizem, não ligo. A seleção é sempre um olhar, um recorte, o meu, e é isso que as pessoas muitas vezes não entendem.”
E como é fazer a seleção?
“Me perguntaram certa vez qual era meu maior defeito. Na vida privada, é não saber dizer não. E a maior qualidade? Na vida profissional, é saber dizer não o tempo todo.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.