Artista multidisciplinar, o pernambucano Tunga (aliás, Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão), morto em junho do ano passado, aos 64 anos, criou uma obra em que trabalhos mais antigos se desdobram em novas peças, mantendo sua interdependência e carregando em sua morfologia um código sintático alquímico. Foi pensando nessa “espécie de cosmologia” particular do artista que os dois curadores da mostra Tunga: O Corpo em Obras, no Masp, Isabella Rjeille e Tomás Toledo, organizaram a exposição de forma a propor ao visitante um percurso sem cronologia ou hierarquia entre as 86 peças provenientes do ateliê do artista, de acervos institucionais e coleções particulares.
Tunga foi uma espécie de Joseph Beuys brasileiro – nem tanto pelo parentesco neodadaísta, mas pelo uso de materiais insólitos e a recorrência a princípios alquímicos. O visitante verá na exposição tacapes feitos com ferro trançado e por vezes amalgamados a longas cabeleiras de cobre. Verá também que ele usou maquiagem na pátina de esculturas e em desenhos, além de aquarelas com figuras no limiar do desaparecimento, em que formas humanas se integram a elementos da natureza (a rara série Quase Auroras). Por fim, deverá concluir que, assim como Beuys fez arte com materiais que salvaram sua vida na guerra da Crimeia (feltro e banha), Tunga recorreu a ímãs, cobre, ferro e chumbo para construir um “corpo” alquímico, formado da fusão de elementos antagônicos.
Os trabalhos mais antigos da exposição são desenhos de 1974, exibidos pela primeira vez no MAM do Rio. Apesar do sugestivo título da série, Museu da Masturbação Infantil, dificilmente o visitante vai encontrar nela um insinuação figurativa que o justifique. No entanto, bem ao lado da série, o que era pura abstração vira figuração explícita num conjunto de desenhos feito posteriormente. Nele, corpos se entrelaçam como serpentes, tendo suas cavidades preenchidas por bizarras formas pontiagudas, entre elas dentes, a única parte da ossatura humana visível a olho nu.
O neoplatônico Plotino sempre foi a inspiração de Tunga. Ele voltou ao filósofo e à alquimia para gerar corpos marcados pela energia da conjunção. Tunga, no fim da vida, chegou a fazer uma exposição em que tornava clara essa sua ligação hermética com a “via úmida”, uma das técnicas usadas pelos alquimistas no passado para transformar a matéria, unindo o princípio ativo masculino (enxofre) com o feminino (o mercúrio, volátil). A curadora da exposição, Isabella Rjeille, acrescenta outra referência de Tunga, Santo Agostinho, para justificar a presença de tantos baldes, dedais e sinos em suas esculturas.
“O pai de Tunga (o escritor Gerardo Mello Mourão) costumava contar para o filho a parábola do menino que Agostinho vê na praia, tentando transportar toda a água do oceano para um buraco na areia”, conta a curadora. Santo Agostinho fica fascinado com a inocência do garoto, advertindo-o sobre a tarefa impossível que se dispôs a realizar, recebendo como resposta que é mais fácil armazenar a água do que tentar, como o santo, compreender o enigma da Trindade.
Tudo em Tunga vem em trios, observa o curador Tomás Toledo, citando as tranças, as serpentes entrelaçadas, os tacapes (simbolizando o elemento masculino) recobertos por tranças (o feminino) e as últimas esculturas (dedos compridos que viram elementos fálicos com pernas e seios). Três esculturas da última exposição de Tunga, em bronze, que lembram as formas do surrealista Hans Arp, foram doadas ao Masp, que faz agora a primeira exposição monográfica do artista no museu.
TUNGA
Museu de Arte de São Paulo. Av. Paulista, 1.578, tel. 3149-5959.
3ª a dom., 10h/18h. R$ 30.
Abre 15/12. Livre. Até 11/3.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.