As divergências em torno do Projeto de Lei das Fake News vão além do Congresso e dividem integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Pelo menos dois pareceres circulam na entidade com visões opostas sobre o tema. Um defende a rejeição da proposta aprovada no Senado, por avaliá-la como um possível mecanismo de censura; o outro considera o conteúdo "promissor".
A autora do primeiro parecer é a conselheira federal da OAB Sandra Krieger Gonçalves. Para ela, o projeto de lei, da forma como está, não é viável. "Das duas uma: ou a gente faz outro (projeto) ou aprimora muito esse texto", disse Sandra ao Estadão/Broadcast, em referência à proposta que recebeu sinal verde do Senado e está em discussão na Câmara. "Tira aquele capítulo que diz respeito à transparência e muda o foco da autorregulação", afirmou. Sandra disse considerar o "Conselho de Transparência" previsto no texto "um departamento de censura terceirizado".
Na outra ponta, a Comissão Especial de Direitos Autorais da OAB, presidida por Sydney Sanches, prepara um parecer contrário ao da conselheira federal, sob o argumento de que o projeto pode ser aprimorado, mas não deve ser rejeitado na íntegra. Sanches tem apoio do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, que afirmou ter sido vítima de fake news e cobrou medidas "para coibir esse terrorismo virtual".
No texto de Sanches, a Comissão de Direitos Autorais da OAB considera que, "ao contrário do encaminhamento dado pelo parecer da conselheira federal Sandra Krieger, a simples rejeição à proposta legislativa em nada irá contribuir ao debate e retirará da sociedade brasileira a possibilidade de instituir instrumentos de proteção aos seus interesses".
Sanches disse que o tema está em "fase de debate" na OAB e é possível que a entidade nem mesmo chegue a um consenso ao fim das discussões, optando por permanecer sem uma posição formal sobre o assunto. O relatório de Sandra passará por eventuais modificações e pelo crivo dos demais conselheiros federais da Ordem.
Mesmo assim, Santa Cruz tem buscado diálogo direto com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e enviado representantes para participar de discussões no Legislativo.
"Nossa preocupação é essa, (com) garantia da liberdade, (para não haver) estruturas do Estado para dizer o que é verdade ou não. Expressei isso ao presidente (da Câmara) Rodrigo Maia, que recebeu muito bem as minhas ponderações. A nossa posição agora é de colaborar no debate do Congresso, que é o espaço para esse debate", disse ele.
Sem citar o presidente Jair Bolsonaro, Santa Cruz afirmou que países autoritários estão acelerando discussões sobre regulação de internet com o "pseudoargumento" de que é combate a fake news. "É exatamente o grande risco. Governantes que não gostam de ser criticados passam a achar que criticar é fake news."
<b>Dados</b>
Na visão de Sanches, a discussão sobre o nível de responsabilidade das plataformas com os conteúdos publicados pelos usuários ocorre no mundo todo e deve avançar no Brasil. "O projeto de lei tende a ser alterado, espero que para melhor. Tem questões que precisam um pouco mais de carinho, o próprio artigo que trata da rastreabilidade dos dados precisa de um ajuste a fim de atender à Lei Geral de Proteção de Dados, mas isso não significa dizer que o resto está condenado", afirmou.
Na prática, um dos principais pontos de divergência no projeto das fake news envolve o "Conselho de Transparência". Segundo a proposta aprovada no Senado, o conselho serviria para a realização de estudos, pareceres e recomendações sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet, além de acompanhar as medidas previstas em eventual nova lei.
"Estaria esse conselho imbuído de um propósito de definir, inclusive e meritoriamente, o que é desinformação. Na essência, o que aparentemente é apenas um órgão consultivo parece criar, na verdade, uma agência reguladora da informação, o que é, de todo olhar, temerário para um estado democrático de direito", afirmou Sandra.
Ela disse ainda que o conselho não é necessário e que o Estado já possui "elementos para criar consequências e responsabilização civil" para coibir a propagação de notícias falsas. "É preciso passar pelo crivo do Judiciário, e não de um conselho que vai ser gerido e a gente não sabe como vai funcionar."
Para Sanches, no entanto, o conselho não será um órgão regulador. "É uma alternativa que o projeto de lei dá, inclusive porque a agência não vai fiscalizar o conteúdo, nem a lei tem essa finalidade", declarou.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>