Um feito de quatro músicos que se reuniram por cinco dias na casa de um dos integrantes para gravar um álbum de frente para a natureza foi parar no Grammy Music Awards. O Trio Brasileiro, formado pelos irmãos Alexandre, percussionista, e Douglas Lora, violonista, e por Dudu Maia, bandolinista, se uniu à clarinetista israelense Anat Cohen para fazer um álbum batizado como Rosa dos Ventos. Quando saíram os indicados à categoria melhor disco de world music, ele estava lá.
A 60ª edição do prêmio será na noite deste domingo , 28, no Madison Square Garden de Nova York. Os brasileiros concorrem ao lado dos seguintes nomes e trabalhos: Memoria De Los Sentidos, do guitarrista espanhol de flamenco Vicente Amigo; Para Mi, da cantora também espanhola de ascendência guineense Buika; Shaka Zulu Revisited: 30th Anniversary Celebration, do grupo vocal masculino sul africano Ladysmith Black Mambazo; e Elwan, do grupo de músicos tuaregs Tinariwen, vindos direto do deserto do Saara.
Assim, com nomes dos cantos mais especiais do planeta, totalmente fora do eixo de consumo cultural de praxe, eis a única categoria impossível de se apontar um favorito. Nenhum premiado será uma injustiça. “Aqui nos Estados Unidos, a simples nomeação é um reconhecimento de qualidade, de valor artístico. É uma indicação de que você está no topo da indústria”, diz o brasiliense Dudu Maia, que atua no exterior há mais de 15 anos e responde pela direção artística de um workshop anual de choro em uma cidade próxima a Seattle.
Apesar de o choro soar como a língua mãe dos três brasileiros, Rosa dos Ventos não se trata de um álbum fechado no gênero. Os títulos dos temas são autoexplicativos, abrindo as possibilidades para a conexão com outras linguagens. Baião da Esperança, Ijexá, Flamenco, Choro Pesado, Sambalelé. Não é, contudo, um álbum didático com interesse explícito no mercado exterior. A presença de Anat Cohen e sua visão de longo alcance no jazz do mundo também ajuda para que nada soe óbvio.
A linguagem veio chegando aos poucos. Os primeiros discos tinham pegada do choro, pela formação natural de seus integrantes. Os padrões foram sendo então flexibilizados e a busca por timbragens e outros valores acústicos começaram a ser tratados com obsessão. Tudo foi feito no estúdio de Dudu, em Brasília, e a forma dessa feitura explica o espírito livre do disco.
“Marcamos primeiro uma agenda para termos os quatro integrantes ao mesmo tempo em Brasília. Assim, cada um trouxe quatro músicas autorais e passamos a trabalhar cada uma. Gravamos uma média de três por dia e terminamos no quinto dia”, lembra Dudu. As escolas vinham nas bagagens. Do rock de Pink Floyd aos sons do Clube da Esquina, da música erudita na formação clássica de Douglas à experiência de vanguarda de Anat, tudo foi sendo acrescentado.
O fato de o trio apostar suas fichas no mercado exterior seria uma reação à falta de espaços no Brasil? A pergunta é delicada, adverte Dudu. As portas se abriram por lá também graças às conexões dos músicos, mas ele confessa que não é fácil viver com um trabalho autoral por aqui. “Ainda tivemos poucas oportunidades de tocar no Brasil. Ao mesmo tempo, dá orgulho estar no Grammy por um disco de composições próprias.”
Como educador musical nos Estados Unidos, sua percepção é a seguinte: o choro tem entradas na cultura norte-americana que podem ser impensáveis. Sua experiência percebe que alguns pontos específicos pegam os ouvidos estrangeiros como iscas. Os músicos eruditos se aproximam das formas bem definidas do gênero brasileiro. Os jazzistas, que já tocaram bebop, avant-garde ou fusion, ouvem o choro como uma descoberta instigante. Que música é essa com harmonia tão bem construída, melodias barrocas e longos espaços de improviso? E da ponta popular, o músico folk fica fascinado com a nova linguagem – para eles, claro – do bandolim. “O bandolim faz muito sucesso por aqui”, diz Dudu. O “primo” de seu banjo, que o Brasil adotaria no samba graças a Almir Guineto e ao Fundo de Quintal nos anos 80, tem uma função de solista no choro que transcende ao centro que ele cria para o bluegrass, por exemplo. “Acaba sendo uma feliz convergência de culturas”, observa o brasileiro.
Anat Cohen
A clarinetista vive um ótimo momentos. Além de estar na briga ao lado do Trio Brasileiro, outro de seus discos, que reverencia a música brasileira, concorre na categoria melhor disco de jazz latino. Outra Coisa, gravado com o violonista Marcello Gonçalves, faz releituras das obras do compositor Moacir Santos. Seu desafio, o de se apropriar do sotaque de uma das linguagens mais intrincadas do mundo pelo nível de suingue que exige ao lado do conhecimento harmônico, fica coroada. Ser finalista entre tudo o que o mundo produziu é uma vitória.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.