Empreendedorismo não é uma palavra vista com bons olhos entre artistas do palco. Se a condição precária de produzir peças no Brasil pode servir como manutenção de um romantismo ultrapassado, ela também favorece um inconformismo na busca por formatos possíveis.
Desde 2003, com a estreia de Cartas de Um Pirata, o ator, diretor e autor Vinicius Piedade tem levado seus solos, com boa dose de ambição, por cidades do País e em turnês pela Europa, África e América Latina. Até novembro desse ano, seu outro espetáculo, Cárcere, está na programação de festivais na Índia, Portugal, Espanha, Angola, Rússia, Cabo Verde, Turquia, Lituânia, Alemanha, França, Argentina e Uruguai. A primeira ideia que vem à mente é que peças feitas para um ator são fáceis de fazer e de viajar, mas Piedade nega. “Se fosse simples assim, eu estaria encontrando colegas brasileiros em festivais no Brasil e no mundo.”
A diferença, talvez, esteja no modo de encarar o próprio trabalho. Em São Paulo, os editais que subsidiam a produção reservam bem pouca atenção a empreitadas como as de Piedade, que está no palco como intérprete, além de assinar o texto e a direção da peça. A solução que o ator encontrou no início de sua carreira foi a de oferecer apresentações em escolas públicas e espaços que não apenas os teatros tradicionais. “Apresentei para muitos públicos e isso ajudou meu trabalho a aparecer e amadurecer.” Só em 2016, suas peças passaram por cidades como Maringá, no Paraná, Crato, Juazeiro do Norte e Fortaleza, no Ceará, Sousa e Palmas, na Paraíba.
Já fora do Brasil, a estratégia exige um outro planejamento. É comum para o ator emendar os convites de festivais para cidades próximas. “Por vezes, guardo parte do cachê e alugo um teatro em outro região”, afirma Piedade. Apesar do alcance internacional, o ator afirma que o Brasil continua como lugar mais rentável para se apresentar, já que as despesas no exteriores são superiores. “Isso também influencia o tamanho da equipe, entre duas e três pessoas.”
Para o ator, que teve sua estreia em Cartas de Um Pirata, em 2003, numa mostra de monólogos intitulado Projeto Solos do Brasil – ao lado de nomes como Tiche Vianna, Gianni Ratto, Antonio Abujamra e coordenado por Denise Stoklos – a construção de um monólogo deixa de ser simples por se tratar de uma linguagem particular. “Tem que ser uma pesquisa, caso contrário será possível até estrear um ou outro espetáculo. O mais difícil é continuar”, afirma. De todo modo, ele acredita que não é o formato que garanta uma resultado bem sucedido. “Há espaço para tudo, e público também. Cabe ao artista perseverar na criação de sua obra, mas precisa também encontrar portas abertas.”
Como o próprio nome de Cárcere sugere, a peça trata de confinamento e liberdade. “São temas comuns a todos”, diz. “No Brasil, a questão prisional acaba mostrando um país que não acredita na ressocialização de seus presos e que, por isso, também não crê no futuro da nação.” Para além do texto – há legendas em inglês nas apresentações fora do Brasil – a fisicalidade do trabalho também é responsável por comunicar. “O corpo também pode se expressar mais que as palavras. Isso se explica caso as legendas dão algum problema durante as sessões. O público não deixa de entender do que a peça trata.”
Em meio à turnê, Piedade conta que está na criação de sua nova montagem. Uma versão de Hamlet narrada por um figurante. “A história é que a peça, uma superprodução, começa, mas por algum motivo é cancelada. Eu faço esse personagem secundário que passa a contar o início da peça, com os primeiros ensaios, até o fim do projeto.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.