Variedades

Sob expectativa, Chico Buarque estreia em São Paulo

Seis anos depois, aqui está Chico Buarque. Por esse tempo todo, ele falou pouco, tocou menos ainda, mas sua figura, pelo histórico alinhamento político à esquerda que possui, atraiu ataques e simpatias com a mesma intensidade verbal e que nada têm a ver com a música que ele faz. É importante então, antes de qualquer apresentação do primeiro show em São Paulo desde 2012, mirar as luzes para o artista. Misturar pendengas ideológicas com uma obra criada a partir de seu primeiro álbum, em 1966, é limitar a experiência e assistir ao homem de 73 anos que estará no palco a partir da noite desta quinta-feira, 1, no Tom Brasil, com alguns graus de miopia e outros tantos de astigmatismo. O Chico que vale aqui é o maior cancionista da música brasileira, descendente mais palpável das graças de Noel Rosa, herdeiro legítimo do pensamento harmônico de Tom Jobim, último poeta de crônica urbana sofisticada.

O show Caravanas entrelaça recados com habilidade, lançando muitas vezes armadilhas interpretativas casualmente, ou não. Depois de abrir com Minha Embaixada Chegou, que Assis Valente lançou em 1934, chegam no primeiro bloco Partido Alto, Casualmente (parceria com o baixista Jorge Helder), A Moça do Sonho (com Edu Lobo) e Retrato em Branco e Preto (com Jobim). Essa última e Sabiá, frutos do mesmo duo Chico/Tom, nunca estiveram em suas turnês. Em algum lugar entre todas elas, Iolanda, a mais clássica do cubano Pablo Milanês, provoca (ou não) os detratores do “vai pra Cuba”.

Geni e o Zepelim está no bis, e alguns analistas já enxergaram sua presença ali como uma reação aos julgamentos de ritos sumários nos tribunais de Facebook. Pode ser, pode não ser. Tem prevista ainda Paratodos, a música de 1993 na qual Chico ignorou também sumariamente Elis Regina em sua lista de vips. “Viva Erasmo, Ben, Roberto, Gil e Hermeto, palmas para todos os instrumentistas / Salve Edu, Bituca, Nara, Gal, Bethânia, Rita, Clara, Evoé, jovens à vista.” O mistério com Elis segue trancado no peito de Chico.

As novas Blues pra Bia, As Caravanas e Tua Cantiga mostram poder de fogo do fluxo criativo mais espaçado de uma geração, sete em sete anos – só perde para Paulinho da Viola, sem um disco novo há 22 anos. Tua Cantiga chegou tão linda quanto polêmica, quando Chico foi acusado de machismo no ano passado pelos versos que mostram o narrador jurando à amante que deixa mulher e filhos se ela assim quiser. Uma realidade noel-rosaliana fiscalizada, hoje, pela hipocrisia.

A imagem do Chico artista tem sido eclipsada por nuvens de ódio. É curioso como seus pares não despencam na mesma maldição, mesmo com discursos e envolvimentos muitas vezes mais diretos. Gil trabalhou como ministro da Cultura de Lula e Caetano foi ao front fazer show para apoiar a ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Ainda assim, os shows dos baianos – como a temporada de Gil no Teatro Net para homenagear João Gilberto e a de Caetano com os filhos no mesmo espaço, em 2017 – passaram imunes às reações políticas.

Chico, o que menos fala, é o mais associado diretamente às posturas ideológicas. Seu show poderá ter manifestações nesse sentido e ele, mesmo sem se pronunciar de forma incisiva, pode manifestar-se sutilmente do palco. Pelas contas, o próximo disco de Chico Buarque virá quando ele tiver 80 anos de idade. Essa pode ser sua última turnê (no mínimo, já é a penúltima). Não seria um desperdício então limitar o alcance de sua obra cheia de significados transformadores jogando-a na lama de uma disputa decidida todos os dias nas páginas policiais dos jornais? De todos esses personagens, o único que será estudado com orgulho em 300 anos será o artista Chico Buarque.

CHICO BUARQUE
Tom Brasil. R. Bragança Paulista, 1.281, tel. 4003-1212. 5ª e 6ª, 22h; sáb., 21h30; dom., 18h30. R$ 300/ R$ 490. Até 22/4
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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