Variedades

O Teatro Municipal do Rio de Janeiro, entre realidade e discurso

O Teatro Municipal do Rio de Janeiro abre neste fim de semana sua temporada, com duas apresentações da Sinfonia nº 2 – Ressurreição, de Mahler. A escolha não parece ter se dado por acaso e se presta à ideia de renascimento, de um recomeço para o teatro depois de um ano em que a falta de pagamentos de salários dos artistas foi a parte mais perversa e visível do abandono da cultura como política pública por parte do governo do Estado do Rio. É, no entanto, um exagero – até porque, estruturalmente, apesar do pagamento dos vencimentos atrasados, nada mudou.

A temporada do Municipal carioca para 2018 é extensa. Um Baile de Máscaras, de Verdi; Liquid Voices, de Jocy de Oliveira; Porgy and Bess, de Gershwin, e A Viúva Alegre, de Lehár, serão as óperas montadas; Sansão e Dalila, de Saint-Säens, e Griselda, de Vivaldi, serão apresentadas em versão de concerto; o Réquiem de Verdi ganhará versão encenada; João e Maria, de Humperdinck, será atração na Sala Mário Tavares, e Claudio Botelho e Charles Möeller dirigem West Side Story, de Leonard Bernstein, projeto que já havia sido anunciado no ano passado.

Goste-se ou não dos planos artísticos imaginados, no entanto, o fato é que há verbas suficientes apenas para a realização dos três primeiros espetáculos. Portanto, a agenda anunciada pelo Municipal, se a olhamos com honestidade, não configura uma temporada mas, sim, um plano de intenções, sem garantia de realização. E é importante também não esquecermos que estamos, afinal, falando de um projeto que nasce sob os auspícios da mesma gestão que, no ano passado, loteou politicamente a cultura carioca, desmontando iniciativas importantes (inclusive no próprio Municipal, com a demissão de João Guilherme Ripper e André Cardoso). E que desde o início questionou a vocação do teatro como palco de óperas e concertos.

O que pode parecer má vontade com o projeto atual na verdade é apenas a constatação a que se chega por meio de um olhar menos calcado no momento e mais estrutural: a ópera no Brasil está sempre “renascendo”. De quatro em quatro anos, às vezes de dois em dois, seja por trocas políticas, seja por idiossincrasias ou disputas de território, um novo projeto se anuncia como panaceia. Mas problemas básicos, elementares (gestão interna, financiamento, relação com o governo, mecanismos de produção, formação de público e de artistas, diálogo com a sociedade, estabelecimento de metas sustentáveis de médio e longo prazo), inevitavelmente levam esses projetos ao fim antes que resultados concretos e duradouros possam ser obtidos. Enquanto essas questões não forem de fato enfrentadas – e a temporada entendida como consequência disso -, não há mudança possível para a ópera brasileira. É o que a experiência recente e não tão recente tem mostrado. E não apenas no Rio de Janeiro.

Em uma carta lida no anúncio da temporada pelo novo presidente da Fundação Theatro Municipal do Rio de Janeiro Fernando Bicudo, que desde o ano passado já atuava na secretaria como assessor especial, o governador Luiz Fernando Pezão, após afirmar que a cultura é prioridade para sua gestão, diz, referindo-se especificamente ao Municipal, que “renovação traz esperança”. Talvez fosse melhor falar em esperança de que haja de fato uma renovação – o que, neste momento, não parece provável. O Municipal do Rio, um dos maiores palcos da América Latina, chega a abril de 2018 sem poder confirmar a realização de sua temporada. É uma realidade cruel, injusta. Mas para mudá-la é preciso antes aceitá-la. E cobrar responsabilidades daqueles que ao longo dos anos permitiram que chegássemos a essa situação. O resto, infelizmente, é discurso.

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