Quando a Netflix estreou House Of Cards, em 2013, a série foi dublada para apenas sete idiomas. Quatro anos depois, Ozark já tinha versão para 25 idiomas. Os dados divulgados pela plataforma no ano passado apontam o crescimento do segmento e sua importância para a audiência, principalmente no Brasil.
Aqui, a agilidade para alcançar esse resultado dinamizou o mercado. As produtoras passaram a contratar os dubladores por obra e os profissionais, a se dividirem entre os estúdios para dar voz a muitos personagens. No dia a dia, as falas são organizadas em períodos de 20 segundos, os anéis, como se diz em São Paulo, e loop, no Rio. Em visita ao estúdio da TV Group, na Vila Olímpia, uma jovem dubladora emprestava a voz à personagem de uma série infantojuvenil. Dirigida por Sandra Mara Azevedo, a equipe assistia aos trechos no original para que, em seguida, a profissional dublasse. “Eu oriento sobre as intenções da personagem, sugiro variações, é um trabalho conjunto.”
A tecnologia e os programas de edição também fizeram a área decolar. “Houve um ganho na produção e essa agilidade faz com que o profissional possa dublar em diferentes estúdios”, aponta a tradutora e dubladora Rayani Immediato, que integra a Sociedade Brasileira de Dublagem com Mabel Cezar. Outra possibilidade, celebrada por elas, é dublar remotamente.
“Ajuda muito para coisas pontuais”, diz Cezar. Mas há quem não veja a oportunidade com tanto entusiasmo. No acordo coletivo da categoria, o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões do Estado São Paulo (Sated) não permite, por exemplo, que a direção de dublagem seja via videoconferência ou a dublagem gravada em home office. “Não somos contra a tecnologia”, afirma o presidente Dorberto Carvalho. Ele explica que a condição serve para proteger o mercado brasileiro – com mais de 25 estúdios só em São Paulo – e que concorre com brasileiros que vivem em cidades norte-americanas, como Miami. “Há muita dublagem sendo feita em praças fora do País e com estúdios aqui, o que sucateia o trabalho.”
Para Herbert Richers Jr., a possibilidade desonra o potencial da nossa versão brasileira. “Há muito produto e muitos profissionais. É preciso pensar na maneira de remunerar.” Em São Paulo e no Rio, os pisos salariais são organizados por acordos coletivos. A possibilidade de se fazer dublagens em outras regiões – muitas vezes abaixo do preço praticado – interfere no resultado esperado pelo público. Também há casos de dubladores sem o registro profissional. “O resultado aparece nas redes sociais com o público reclamando de séries malfeitas”, afirma Sandra.
Junto com o streaming, o mercado de games acompanha esse avanço. O estúdio TV Group já fez a localização – termo utilizado para o segmento – de games como Jurassic World Evolution, Disney Infinity e Dying Ligth. “Trata-se de outro ramo, com processo diferente. Ele é dividido em arquivos de áudio, e não em cenas, como na dublagem”, conta a gerente-geral do estúdio, Maria Ines Moane. Da linha de produtos, cinema e games são os que melhor remuneram.
A impressão é a de que, além dos problemas, o mercado absorveu a própria qualidade de ser plural. Em termos de profissão, há espaço para todos com formação: atores, locutores, cantores, diretores e tradutores. O ator e dublador Leandro Luna faz parte de um coro de profissionais com carreira nos palcos de musicais e que responde ao requisito para personagens que cantam. Ele empresta a voz ao Hector da animação de sucesso Viva – A Vida É Uma Festa (2017), no original com a voz do ator Gael García Bernal. “É diferente de tudo o que se faz no palco. É você com sua voz.”
E para quem bate no peito e se orgulha de não assistir a nada dublado, Herbert Jr. diz: “Filme é para ser visto, não lido”, referindo-se às produções legendadas. “Se quer ler alguma coisa, pegue um livro.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.