Variedades

Flip: encontro revela os desafios infinitos das mulheres

A partir do tema “Como fazer da literatura um modo de resistir à violência e reinventar a vida”, a Flip reuniu ontem a argentina Selva Almada e a brasileira Djamila Ribeiro. Enquanto Selva relembrou as dificuldades enfrentadas para escrever Garotas Mortas (Todavia), relato ficcionalizado da morte de três meninas nos anos 1980, Djamila expôs o racismo (às vezes silencioso) a que é submetida quase diariamente e que lhe inspirou a escrita de vários livros.

“O machismo tornou-se algo natural em nossa rotina”, observou Selva, que viajou a três províncias argentinas para apurar a morte das garotas, caso ainda não resolvido, com nenhum culpado cumprindo pena. Lá, conversou com amigos e familiares e, com um vasto material à mão, escreveu um texto de não ficção. “Mas percebi que não tinha a minha voz, então optei por usar os dados, mas escrever com as ferramentas da ficção.”

A decisão ajudou a narrar um assunto espinhoso de uma forma menos dura. Selva contou que sua obra ajudou, de uma certa forma, a fomentar o feminismo em seu país, além de eliminar eufemismos. “Não mais devemos usar crime passional para casos de feminicídio”, diz.

Já Djamila lembrou de situações constrangedoras que marcam seu dia a dia, como ser a primeira a ser questionada por autoridades aeroportuárias quando embarca em alguma viagem ao exterior. “Também em lojas, algumas pessoas vêm me perguntar os preços dos produtos, simplesmente porque sou negra”, disse. Uma das vozes mais ativas do feminismo negro brasileiro, Djamila lembrou ainda do assassinato ainda não resolvido da vereadora Marielle Franco. “Um de seus principais legados foi a disposição para continuar lutando.”

Selva também abraça causas sociais. A expectativa da votação, no congresso argentino, da lei que libera o aborto motiva seu discurso. “Se for aprovada, teremos mais segurança para falar sobre nossa indisposição em ser mãe”, disse ela, lamentando as cenas de violência que marcaram as manifestações de duas semanas atrás, quando mulheres trajando lenços verdes (símbolo da luta) foram agredidas. “É um exemplo de como parte da sociedade ainda atua segundo antigos preceitos de comportamento.”

Isso é retratado, de uma certa forma, em seu livro. “O debate sobre esse tipo de agressão aumentou com o lançamento da obra”, agradece. “O problema é que, apesar de uma lei condenar à prisão perpétua quem pratica esse tipo de crime, apenas 30% dos casos foram julgados como tal – o restante não foi classificado como feminicídio, apesar das evidências, o que aliviou a pena.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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