Variedades

Tribalistas estreia turnê, sobrevive à chuva e celebra 16 anos de história

No palco, Arnaldo Antunes, Marisa Monte e Carlinhos Brown viram o que era uma garoa fina se transformar em temporal, no estádio Arena Fonte Nova, na noite deste sábado, 28. O corre-corre do público em busca de abrigo para a pancada de água que caía do céu de Salvador foi embalado curiosamente pelos versos de Água Também É Mar: “chuva também é água do mar lavada”. Foi simbólica a chegada da chuva – talvez o maior pesadelo de artistas que embarcam em turnês por arenas e grandes estádios, mundo afora. Era, afinal, o debute, a estreia, a primeira vez de Tribalistas num palco, com show completo. Prova de fogo para os três, como um só, em uma apresentação maior do que eles costumeiramente o fazem, quando estão sozinhos. De acordo com a produção, foram vendidos os 18 mil ingressos.

E Tribalistas, trio criado 16 anos atrás, enfim estreia nos palcos. O faz com a grandiloquência das turnês de artistas gringos, com apresentações em arenas e estádios por nove capitais brasileiras. Na Fonte Nova, foram 18 mil ingressos vendidos – quantos artistas da MPB são capazes de vender isso tudo atualmente? O show de São Paulo, marcado para 18 de agosto, no Allianz Parque, tem capacidade para 45 mil pessoas.

A turnê inclui ainda shows no Rio de Janeiro (3 e 4 de agosto, Marina da Glória), Recife (10 de agosto, Centro de Convenções), Fortaleza (11 de agosto, Centro de Formação Olímpica), Porto Alegre (24 de agosto, Arena Beira Rio), Curitiba (25 de agosto, Pedreira Paulo Leminski), Brasília (1 de setembro, Arena Mané Garrincha) e Belo Horizonte (7 de setembro, Esplanada do Mineirão).

Foi bom passar pela chuva agora. Artistas acostumados a tocar em casas de shows com teto sob suas cabeças saltam de nível com essa turnê. “Chuva de inverno, que delícia”, dizia Brown, ao microfone. Marisa, a todo tempo, entre as músicas seguintes, Um a Um e Ânima, pedia por paciência para o público para que os defeitos sonoros causados pela chuva fossem resolvidos.

Se alguém contasse que, ao final do show, o céu sobre a Arena Fonte Nova estaria limpo, negro e lindo, com a lua poderosa a iluminar os casais abraçados com o sabor sonoro da romântica Amor I Love You, qualquer um duvidaria. Mas assim foi. A turbulência do início foi premiada com uma noite fresca, úmida, de beijos e amor. Foi assim, afinal, o roteiro escolhido pelo trio Tribalistas na escolha das canções do seu show. São 29 músicas elencadas no roteiro do show – dessas, 28 são tocadas, já que a reprise da faixa Tribalistas, como última no repertório, é feita por playback, enquanto músicos se abraçam no palco e se despedem do público.

Numa sequência que tem Tribalistas, Carnavália, Um Só, Vilarejo, Anjo da Água, Fora da Memória e Diáspora, Marisa, Arnaldo e Carlinhos mostram o olhar atento ao que acontece no mundo contemporâneo. Da ode às diferenças, deles e dos outros, com a canção Tribalistas, a Diáspora, faixa do segundo álbum, pesada ao tratar da migração e dos refugiados.

No palco, Tribalistas é mais que um trio. É formado pelos parceiros Dadi Carvalho (baixo, guitarra, bandolim e teclados), Pedro Baby (violão e guitarra), Pretinho da Serrinha (cavaquinho) e Marcelo Costa (bateria). Marisa fica com o violão nos braços quase o show inteiro e Brown tem instrumentos de percussão ao seu redor. Margareth Menezes, coautora de Passe em Casa, subiu ao palco para cantar a faixa com o trio.

O cenário e os vídeos dos telões, obra de Batman Zavareze, são belíssimos, com imagens que vão do abstrato à sensações causadas pelas canções. Em estádios e formatos de shows maiores, como o de São Paulo, pode ser problemático que muito do show se passe sem que os telões reproduzam o que acontece no palco. Em estádios como o Allianz, o público vai ter dificuldade em enxergar os músicos e pode reclamar – após o show do Radiohead, o chororô foi enorme, aliás, justamente por isso.

Marisa, Carlinhos e Arnaldo, aos poucos, se encaixam no palco, cada um com a sua característica, assim como fizeram no estúdio, quando iniciaram as colaborações em trio nesta mesma Bahia, 17 anos atrás, quando Arnaldo para cá veio para ter seu disco Pardieiro produzido por Carlinhos Brown e convidou Marisa para cantar com ele a faixa-título. A partir daí, foram 56 músicas feitas pelo trio gravadas – 23 delas, em discos do Tribalistas.

Donos de um repertório extenso, portanto, Tribalistas tenta encaixar suas vertentes em uma só apresentação. O show fica robusto, embora os momentos preferidos pelo público esteja nas baladas e canções de amor – ou desamor, como é o caso da machucada Depois. Depois da tempestade, a calmaria vem com Já Sei Namorar e Velha Infância, os dois maiores hits do Tribalistas, lançados no disco de estreia deles de 16 anos atrás. Tocados pelos três, juntos, pela primeira vez.

Pela ausência de tantos anos no palco, Tribalistas perdeu a posse das próprias canções. O público é quem canta, quem chora, quem se alegra com elas há anos, como se cada verso de amor fosse deles, próprio de cada um. Ao final, Marisa se rende e concorda.”Essas músicas agora não são nossas”, diz Marisa, “são de vocês. E isso é lindo”.

*O repórter viajou a convite da produção do show

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