Nos livros escolares a Abolição da Escravatura ainda é tratada como um ato de benevolência da Princesa Isabel. Em A Última Abolição, a diretora Alice Gomes procura reintroduzir a complexidade do tema e despojá-lo de clichês e simplismos.
Documentário de feitio clássico (mas sem voz over), A Última Abolição ouve muitos personagens, em especial intelectuais afrodescendentes. Trata o tema de maneira global e histórica, com a chegada dos navios negreiros ao Brasil, os movimentos de resistência e revolta dos escravos e a campanha abolicionista, com figuras como José do Patrocínio, Luiz Gama e Joaquim Nabuco.
Mesclando depoimentos e imagens da iconografia escravagista, o filme procura demolir algumas ideias feitas. Por exemplo, a de que os quilombos seriam paraísos na Terra, como induz a crer o cancioneiro popular. Pelo contrário, neles imperava a precariedade, mesmo porque os quilombolas eram obrigados a se esconder e se defender dos capitães-do-mato. Ainda assim, o apelo pela liberdade tinha voz mais forte que o medo e as privações.
Outro ponto importante é notado nas contradições do processo abolicionista. Assim que a Lei Áurea foi promulgada, outras leis foram estabelecidas para vigiar e punir aquele novo contingente livre e amedrontador para população branca dominante. “Havia temor e as classes mais abastadas se prepararam para a Abolição quando viram que era inevitável”, diz um historiador. Leis que puniam a “vadiagem” e proibiam a “capoeiragem” e rituais religiosos africanos passaram a existir explicitamente para reprimir e manter sob controle a população recém-liberta.
População, aliás, libertada e atirada à própria sorte, sem qualquer reparação por séculos de escravidão e sem preparação para inserir-se na sociedade na condição de homens e mulheres livres.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.