No início dos anos 2000, o cineasta alemão Claus Wieschmann ouviu falar pela primeira vez da Orquestra Sinfônica Kimbanguiste, baseada em Kinshasa, capital do Congo. O grupo era formado por cerca de 200 artistas amadores, que ensinavam a música de Händel, Vivaldi, Mozart e Beethoven uns para os outros e se apresentavam com instrumentos tradicionais e outros construídos a partir de materiais locais.
“O que me fascinou naquele momento era entender qual o significado que a música chamada clássica tinha para aquelas pessoas. Por que motivo eles optaram por estudar e tocar esse repertório?”, conta o cineasta, que, ao lado de Martin Baer, filmou o documentário Kinshasa Symphony, estreado em 2010 e premiado em festivais de todo o mundo, como o de Nova York, nos Estados Unidos, e o de Vancouver, no Canadá.
O filme acompanhava o grupo durante as preparações de diferentes repertórios, entre eles a Sinfonia nº 9 de Beethoven. E, oito anos depois, pareceu natural a Wieschmann tratar da peça, ainda mais com a proximidade das comemorações pelos 250 anos.
O projeto é uma parceria que envolve diferentes instituições mundo afora. Na Alemanha, participam redes como a Deutsche Welle; no Japão, a NHK; na França, o canal Arte; na Inglaterra, há conversas com a BBC. O cineasta diz que gostaria de voltar à África, mas essa possibilidade ainda não está confirmada. “Em certo sentido, é essa a ideia da Sinfonia nº 9, unir as pessoas”, ele explica.
Algumas das etapas do documentário já foram filmadas. Wieschmann esteve no meio do ano em Salzburgo, na Áustria, onde acompanhou concertos do maestro grego Teodor Currentziz, que vem se notabilizando por gravações originais e inovadoras do grande repertório com a orquestra Musica Aeterna. Na Inglaterra, trabalhou com o compositor e DJ Gabriel Prokofiev, neto do compositor Sergei Prokofiev, que criou há alguns anos o conceito de “rave erudita” e fez para o projeto um remix da sinfonia.
Na Espanha, o documentário acompanhou o trabalho da Mahler Chamber Orchestra, grupo criado pelo maestro Claudio Abbado, com crianças e músicos surdos. A ideia do projeto foi do compositor Paul Whittaker, ele próprio deficiente auditivo, que será responsável também por escrever a trilha sonora do filme. “Há uma conexão direta com a realidade pessoal do próprio Beethoven que gostaríamos obviamente de contemplar. O fato de que ele escreveu esta e tantas outras obras grandiosas sem poder ouvir não pode ser tratado de maneira banal”, explica Wieschmann.
O filme também terá passagens no Japão. “Em todo o país, anualmente, gigantescos grupos de músicos e coros com milhares de pessoas se reúnem em grandes estádios para interpretar a Nona de Beethoven, algo que precisava estar no documentário.” A equipe de produção também estuda a possibilidade de filmar no Irã.
Mensagem
“A Ode à Alegria com que se encerra a sinfonia carrega uma mensagem clara de liberdade, igualdade, um sentido de humanidade que é ainda hoje muito forte. Mas ela é também, acredito, sinônimo de diversidade. E é esse o nosso norte à medida em que trabalhamos nas filmagens, tentando chegar a uma resposta final a respeito de por que uma sinfonia como essa mexe tanto com as pessoas”, explica Wieschmann.
Foi por isso, ele diz, que contemplando possibilidades de projetos a serem visitados no continente americano, optou pelo Brasil e pelo trabalho do Instituto Baccarelli. “O estimulante para mim é entender, em nível bastante individual, qual o sentido disso tudo. Em outras palavras, quero estar ao lado de alguns músicos, acompanhá-los, entender suas histórias, suas trajetórias de vida, para entender por que resolveram se dedicar à música, e a esta música especificamente. Acreditamos que a música provoca mudanças, mas queremos entender como isso se dá. Eu particularmente acho que assistir a um concerto na televisão é algo muito chato. Mas entender quem são essas pessoas que fazem a música acontecer e ganhar sentido, isso é fascinante.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.