Consagrados por estreias consistentes entre 2016 e 2017, com álbuns e singles elogiados pela crítica e amados pelo público (não sem uma dose bem vinda de controvérsia e dezenas de milhões de visualizações só no Youtube), três rappers brasileiros voltam à carga em 2018 com novos discos: o mineiro Djonga, o carioca BK, e o baiano Baco Exu do Blues. Trindade de uma geração que agora confirma seu protagonismo no rap nacional, eles readaptam tradições do gênero e abordam em suas músicas de produção refinada uma variedade de temas, guiados por um instinto de afirmação e em busca da autoestima. Não é preciso dizer que eles não estão sozinhos.
2018 começou oficialmente para Djonga em março, um ano depois do lançamento do seu disco de estreia, Heresia, no qual apresentou seu estilo muito particular de flow (o modo de cantar as rimas) gritado e versos inteligentes – o disco venceu a votação popular da revista Rolling Stone sobre o melhor do ano. O episódio é recuperado agora no seu segundo álbum, O Menino Que Queria Ser Deus: “Revista pra mim era polícia / Até eu ganhar a votação da Rolling Stone”, diz, em Estouro, uma das dez faixas do novo disco.
Alguns temas seguem presentes desde o primeiro trabalho, como a posição antirracista e forte crítica social (“E esse trono de rei do rap, não vale nada / Enquanto morrer o menor pra ser rei na quebrada”, rima em Eterno), novos aparecem ou ganham evidência, como a religiosidade e a paternidade (aos 24, Djonga virou pai). O amadurecimento formal do disco – no flow mais demarcado, no espaço que ele se dá para cantar e na mixagem mais clara dos produtores Arthur Luna e Coyote – é evidente. “Todos os agentes (do disco) estão em evolução”, diz Djonga por telefone, de BH, onde cresceu e construiu sua carreira.
Ele diz ter aprendido “pelo menos um pouco” a ter paciência com os lançamentos, e afirma que os seus temas (paternidade, saúde mental, luta social) aparecem de forma natural. “Arte, de um modo geral, tem que ser verdadeiro. Não tem nada mais verdadeiro para mim do que eu tenho visto. Não tenho purismo em relação ao jeito que tem que ser feito, mas não consigo fazer diferente. Sou um artista de luta, faz parte de mim.”
Para ele, o rap consegue fazer autocrítica com mais serenidade que outros movimentos artísticos e sociais – ele menciona Racionais e como eles “deram a tônica de toda uma discussão social que a gente está tentando dar continuidade”.
Foi no final de 2017 que Djonga dividiu o palco com os Racionais, em São Paulo, e também com o rapper carioca BK. Castelos e Ruínas, o disco de 2016, colocou BK no topo de listas de melhores do ano e levou o MC Marechal a sentenciar que o jovem de 29 anos era o futuro do rap. Gigantes, o álbum de 2018, dá continuidade à caminhada do artista, que lançou dois EPs de preparação para o disco em 2017.
Tentar definir o álbum tematicamente vai contra o próprio conceito de disco: para BK, gigantes são as situações e sensações que sentimos, e o que ele tentou passar foi uma variedade delas. A escolha também refletiu nos caminhos estéticos do disco, que traz o flow inconfundível já presente em Castelos e Ruínas, mas explora canções e outros tipos de escrita.
“Rap é isso, tem que fazer o que quiser. Se aparece o hype, o artista pode cair no padrão e aí toda música tem que ter isso e aquilo, mas isso não existe. Um dos meus sonhos é inventar um estilo novo, e no Gigantes tentei ir por esse caminho”, diz. A presença de KL Jay em uma das faixas, porém, é apenas um dos indicativos de que ele conhece e respeita quem lhe precedeu.
Uma das faixas, Vivos, tem a participação, exatamente, de Baco Exu do Blues.
Baco sempre teve a palavra polêmica associada a seu nome: em 2016, abalou as estruturas do rap nacional com Sulicídio (música em parceria com Diomedes Chinaski, em que enfrentava de vez o establishment do gênero focado no sudeste: “Esses MC são tudo favela gourmet / Exu do Blues é vilão / Baco, capitão de areia”). No ano seguinte, o músico baiano confirmou sua criatividade potente com Esú, disco que uniu com tremendo sucesso produções derivadas do hip hop americano, do boom bap ao trap, com influências certeiras da música e da religiosidade brasileira (de Milton Nascimento e Arthur Verocai a Exú e Xangô).
Agora, aos 22 anos, ele aplica seu esforço na inovação com o novo disco, Bluesman – a palavra representa um movimento, com ares religiosos, segundo Baco. “O primeiro ritmo que tornou pretos livres”, diz nas primeiras frases do álbum, sob um sample de Muddy Waters. “Tudo que quando era preto era do demônio / E depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de blues.”
“Bluesman é sobre uma questão de origem da música negra, e da caminhada dela até chegar ao rap. A gente está falando de música negra que foi roubada”, diz Baco ao Estado. O disco foi lançado com um curta.
Outro tema caro ao músico é a saúde mental – ele enfrenta depressão. “Não vou fingir que não sinto para parecer forte nas músicas. Existe um rolê com a masculinidade negra que é muito bizarro, de negar de expor fraquezas. Cansei de ser o cara que é visto como sempre 100% à frente, inabalável. A gente sofre como branco sofre, e é necessário dizer isso porque se não vão achar que a gente é um bocado de malucos com a genética só capaz de bater e assaltar”, diz.
Em Kanye West da Bahia (faixa que evidencia a admiração pelo ídolo, embora Baco rejeite tanto Donald Trump quanto Jair Bolsonaro), dispara: “Sou o preto mais odiado que você vai ver”.
“Sou preto que luta pelas minorias de certa forma, nordestino e gordo. Trago comigo a religião africana. A música brasileira é conservadora, tem quem me odeie e nunca me ouviu”, diz.
Ele já sabe os próximos passos: diz já ter material para dois ou três discos. Como o próprio vaticinou num verso inesquecível de Esú: “Atenção, nova geração / Atenção”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.