Etty Fraser havia sido internada algumas vezes nos últimos meses por problemas pulmonares e cardíacos. Desde o último final de semana, estava no Hospital São Luiz. Teve uma trombose e não resistiu. Morreu no último dia de 2018 e foi velada no primeiro de 2019 no Cemitério do Araçá. A cremação será nesta quarta-feira, na Vila Alpina. Para falar de Etty Fraser talvez seja bom lembrar alguns diálogos do documentário de Roger Michell, Chá com as Damas. Nas suas conversas, Judi Dench, Maggie Smith, Joan Plowright e Eileen Atkins são as primeiras a admitir que nunca foram beldades. Nem por isso deixaram de ter movimentadas vidas artísticas e sentimentais. Etty, que morreu aos 87 anos, deixou sua marca no teatro, no cinema e na TV.
E mais – generosa, lutou sempre pelos colegas desvalidos, chegando a criar um fundo de assistência para atores e atrizes em dificuldades. Vilmar Ledesma, que escreveu o volume a ela dedicado pela Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial – Virada pra Lua -, dizia que era uma irresistível contadora de histórias. Com humor, encarnava uma espécie de memória viva das artes na cidade e no Estado. Etty Fraser Martins de Souza nasceu no Rio (8 de maio de 1931), mas fez sua vida profissional predominantemente em São Paulo. Foi uma das fundadoras dos Teatros Oficina e Arena, participando de montagens que fizeram história nesses espaços. Foi uma das intérpretes da primeira encenação de O Rei da Vela, primeiro texto modernista para teatro (de Oswald de Andrade), e esteve ao lado de Eugênio Kusnet em Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki, ambos dirigidos por Zé Celso Martinez Correa.
Em 1960, participando da montagem de As Feiticeiras de Salém, de Arthur Miller, contracenou pela primeira vez com o também ator Chico Martins. O jovem Antunes Filho era o diretor e Maria Bonomi, a responsável pelos cenários. Etty e Chico viveram juntos por mais de 30 anos e só se casaram em 1992, quando ela se converteu ao catolicismo. Viveram juntos mais 11 anos, até a morte dele, em 2003. Filha de uma judia-polonesa que se casou escondida com um argentino, filho de escocês protestante, Etty era o resultado dessa mistura de culturas, religiões e raças. Com a irmã Vivi, após a 2.ª Guerra, foi estudar na Inglaterra, onde pretendia se formar em literatura, mas descobriu o teatro e sua história mudou.
Muito jovem fez cinema, integrando o elenco do clássico São Paulo S/A, de Luiz Sérgio Person como Hilda, a vizinha da personagem de Ana Esmeralda. O filme é de 1965 e Etty nunca mais parou – no cinema, também. O Mundo Alegre de Helô, Em Cada Coração um Punhal, Pauliceia Fantástica, Diabólicos Herdeiros, Macho e Fêmea, O Super Manso, Efigênia Dá Tudo o Que Tem, Senhora, A Origem dos Bebês Segundo Kiki Cavalcanti, O Homem do Pau Brasil. Etty fez filmes de diversos gêneros e estilos até que, em 2002, fez Carmita, a opressora mãe de Ary França em Durval Discos, de Ana Muylaert. Mãe e filho levam uma relação complicada até que surge essa menina que foi sequestrada, e muda as vidas dos dois com sua simples presença. Sua sensacional interpretação rendeu-lhe o prêmio de melhor atriz no Cine PE – Festival do Recife. E ainda falta a televisão, na qual estreou em 1959, no Grande Teatro Tupi. Dois anos depois, estava no episódio O Rapto do Juca, de O Vigilante Rodoviário.
Fez muitas novelas (Beto Rockfeller, Nino o Italianinho, Simplesmente Maria, Sassaricando, etc.) e, de 1976 a 80, foi jurada no Show de Calouros, na época em que o Programa de Sílvio Santos ainda era apresentado pela Rede Tupi. Mas nada se compara ao período em que Etty comandou o fogão no programa de culinária À Moda da Casa, nos anos 1980, na Record. Foi o auge de sua popularidade. Tinha sempre um sorriso, o alto astral a caracterizava. O amigo Odilon Wagner, que a dirigiu pela última vez no palco – em A Última Sessão, peça que ele também escreveu, sobre um grupo heterogêneo que toda semana se reúne no mesmo restaurante para almoçar -, foi quem anunciou a morte nas redes sociais. Disse que Etty foi sempre uma incomparável fonte de alegria para os que tiveram oportunidade de conviver com ela. Era movida a humanidade, como gostava de dizer seu biógrafo, Ledesma. Para ele, a gargalhada de Etty era simplesmente irresistível. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.