Variedades

Dante Ozzetti descobre a música que existe dentro da música de Jobim

Seriam 92 anos desde sexta-feira, 25, e seu pensamento estaria sabe-se lá onde. O que fez ainda jovem, anos antes de arranjar Chega de Saudade para João Gilberto em 1959 e moldar a bossa nova para o mundo, a cabeça de Tom Jobim estava em algum lugar que ainda não foi atingido. Há uma dúzia de clichês a serem repetidos sobre ele, mas poucos mergulhos tão intensos para sustentar esse argumento foram feitos como este de Dante Ozzetti.

Dante disseca o esqueleto das composições e mapeia o código genético de Jobim. Enche o peito de coragem e parte para uma viagem propondo uma leitura da música que existe dentro da música, em linhas paralelas de contracantos que conversam e embelezam a melodia a ponto de poderem dispensar a própria harmonia para serem entendidas.

Falando assim, parece cerebral, mas não fica porque o DNA, nem de Jobim nem de Dante, permitiriam.

Dante vai mostrar o resultado de seu trabalho em duas noites, no Sesc 24 de Maio, neste sábado e domingo. às 18h. Depois de escrever os novos arranjos para músicas como Passarim, Insensatez, Retrato em Branco e Preto, Olha Maria e Inútil Paisagem, escalou uma banda de dez músicos e partiu para os ensaios. Ao lado do violão de Dante, eles encaram partituras que podem assustar pensamentos conservadores. A formação instrumental já assustaria: Gui Held, na guitarra; Fi Maróstica no baixo; Fernando Sagawa nos teclados e flautas; Gabriel Grossi nas gaitas; Nivaldo Ornellas no sax e flautas; Fábio Cury no fagote; Ana Chamorro no violoncelo; Newton Moreno na viola; e Antônio Loureiro na bateria e no vibrafone.

Assustaria talvez o próprio Tom Jobim pré 1974, quando fez com Elis o álbum Elis & Tom. A história vale aqui. O disco seria gravado nos Estados Unidos, e para lá seguiu a banda de Elis sem combinar muito com Tom, capitaneada por Cesar Camargo Mariano. Quando os músicos começaram a chegar ao estúdio, a artilharia pesada de Cesar, com Luizão Maia no baixo e Helio Delmiro na guitarra, assustou Jobim. “Mas assim, a conta de luz vai ficar uma fortuna!”, ele disse, vendo passar os instrumentos eletrificados que temia.

“Em algumas das músicas de Jobim que escolhemos”, conta Dante, “o contracanto é tão forte que você pode identificar qual é a música mesmo se a melodia principal não for tocada.” A guitarra de Held vem distorcida em Retrato em Branco e Preto, que tem a presença fundamental do fagote de Fabio Cury. “Não sei se Jobim usaria isso, talvez com uns 35 anos.”

Apesar de ter Jobim como a sala que sempre visita em muitos projetos, Dante conta que se emocionou elaborando os novos arranjos. “Quando a gente entra e vê as soluções de melodia, o contracanto que criava e a harmonia, é de emocionar.” E seria tudo pensado ou fruto de inspiração? Como criava o maestro? Dante recorda que Chico Buarque, ao receber a melodia para a letra que havia feito de Retrato em Branco e Preto, reagiu dizendo que aquilo só poderia ser fruto de uma obsessão. “Ele, Jobim, tinha bagagem teórica também. Havia estudado com professores eruditos, convivia com Radamés Gnattali. E havia toda a influência do jazz norte-americano. Jobim era produto disso tudo.”

“Se você perceber, Jobim estava sempre cantando, criando vozes”, diz Dante. O que ele procurou, então, foram essas vozes e, apesar de não ter piano na formação que leva ao 24 de Maio, “fui atrás do piano de Jobim, da sua mão esquerda para saber o que ele estava pensando. Fui descobrir o que é o essencial em cada música.”

Se sentiu pressão em tocar na obra de um totem, se tremeu por mexer em suas estruturas, Dante diz que não. Sua abordagem conta a história dentro da história e prova a imortalidade de ideias que não param de inspirar novos autores.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Posso ajudar?