Em princípio, um filme de 234 minutos – quase quatro horas -, considerado o testamento de um jovem diretor que se matou, não parece muito auspicioso. Mas, se você se deixar levar pelo preconceito, poderá estar perdendo um dos filmes que vão ficar este ano. Como espírito da época, o chinês Um Elefante Sentado Quieto é sombrio. Não é muito adequado para um fim de semana carnavalesco.
Distribuidores e exibidores apostam num tipo de espectador que não é folião. Cinéfilo. O filme de 2018 foi escrito, dirigido e editado por Hu Bo e foi o único realizado pelo escritor, conhecido pelo nome de pluma de Hu Qian. Ho matou-se em outubro de 2017, aos 29 anos. Deixou o legado dessa obra devastadora sobre a China que aspira a ser potência econômica mundial. A que preço?
Seus jovens levam vidas opacas. A narrativa passa-se num único dia – do amanhecer ao entardecer. O último trem de Manzhouli. Todos os personagens aspiram a tomar esse trem para fugir à miséria de suas vidas. São desajustados crônicos. Um jovem empurrou – acidentalmente? – escada abaixo o colega que lhe fazia bullying e agora tenta fugir, não apenas de sua responsabilidade como do pai violento. Outra garota se envolveu com o professor e o affair virou viral na escola. Um terceiro considera-se responsável pelo suicídio do amigo – Hu Bo antecipava o que ia ocorrer? -, por ter se envolvido com a mulher dele. E um homem mais maduro teme que a filha e o genro estejam querendo interná-lo.
Todas essas histórias cruzadas na região industrial ao norte da China ainda se relacionam com a do elefante. Ao contrário dos personagens que querem fugir, rompendo com o imobilismo de suas vidas, um narrador informa, logo no começo, que o elefante, como símbolo, simplesmente se senta quieto. Brutalidade e humilhação geram indiferença no mundo cruel? É uma forma de sobrevivência? Árduo como possa parecer, o filme venceu o prêmio da crítica em Berlim no ano passado, ganhou o prêmio do público no Festival de Hong Kong e os prêmios de melhor filme e roteiro no Golden Horse Award, o mais importante da China. Hu Bo estudou cinema com o grande autor húngaro Béla Tárr, de filmes como Satantango e O Cavalo de Turim.
Um crítico já observou a sensação de mal-estar, como se o espectador estivesse entrando de viés, como penetra, nesse mundo que parece estar morrendo e que Hu Bo filma com melancolia. Há o tema, mas também o estilo. Longas tomadas sem cortes, mas é um dos mistérios do cinema. Para quem entra no clima, o filme será tudo, menos lento. São dramas tão sinceros que criam a cumplicidade. E a sabedoria de Hu Bo, no limite, foi ter criado um final doce-amargo que funciona como fecho emocionante e até inesperado para drama tão denso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.