Mundo das Palavras

Um ministro “amoroso”

Ao serem confrontados por denúncias veiculadas pela imprensa, alguns ministros da equipe da presidenta Dilma não se limitaram às previsíveis declarações de inocência. Garantiram aos repórteres que estavam firmes em seus cargos. Esta inocência autoproclamada e a pretendida firmeza na ocupação de seus cargos, no entanto, não os poupou da perda deles, quando as denúncias se renovaram.


Por que numa circunstância adversa como a criada por ataques da imprensa, os ocupantes destes altos cargos político-administrativos parecem perder a capacidade de fazer declarações consistentes? Eles não conseguem avaliar corretamente suas forças e debilidades por causa da ansiedade própria de quem se sente exposto diante da opinião pública numa situação constrangedora? Ou as palavras são usadas, em tais momentos, numa tática de despistamento, desconectada da preocupação com a verdade, empregada simplesmente para impedir que a cobrança do afastamento deles pela população ganhe vigor?


O “mar tormentoso” da política a que se referia um ex-ministro da Educação do deposto presidente João Goulart – Paulo de Tarso Santos – impede uma resposta clara a estas questões. É certo, no entanto, que os ministros demissionários da presidenta Dilma têm criado um rico material para uma aula de Expressão Verbal, em que o professor precise apresentar situações nas quais as palavras se desligam do conteúdo semântico que deveriam transportar.


Um exemplo particularmente ilustrativo ocorreu com Carlos Lupi. Sob o fogo inclemente da imprensa, ele desconectou completamente palavras que transmitiam segurança na ocupação do cargo de ministro de uma situação de completa desestabilidade política. Lupi dizia que só sairia do ministério se fosse atingido por balas de grosso calibre. E todos os leitores dos grandes jornais sabiam que ele talvez nem chegasse, ainda ministro, ao início de 2012, quando, de qualquer forma, perderia seu cargo, na alteração mais ampla do ministério, já, então, prevista anteriormente pela administração de Dilma.


Foi nesta conjuntura que Lupi produziu sua frase mais espantosa. Visto como arrogante perante a autoridade de Dilma por dar a impressão de não depender dela para permanecer no cargo, ele pretendeu se desculpar quando prestava esclarecimentos à comissão do Congresso Nacional que lhe exigia explicações para as denúncias veiculadas pela imprensa contra ele. Neste momento, após se desculpar, Lupi – imagine-se só – anunciou pelos microfones do Congresso: “Presidenta Dilma, eu te amo”.


A declaração de amor, naquele contexto, não teria cabimento nem mesmo com uma inversão total de papéis. Isto é, se Lupi fosse colocado na condição de presidente, e Dilma, na de ministra. Nem neste caso, o sentimento amoroso da autoridade maior em relação à sua subordinada ajudaria a justificar atos dela quando fossem visto pela opinião pública como “mal feitos”, segundo a expressão posta em uso pela própria Dilma. Muito menos cabimento teve a suposta manifestação verbal de afeto quando, no lugar dela, Lupi deveria ter expressado mal-estar, vergonha e embaraço pelas dificuldades políticas que as denúncias contra ele criaram para a presidenta.


Enfim, se a produção de textos orais dos políticos, em geral, se ressente da falta de correspondência com a realidade que deviam exprimir, a de ministro periclitante no seu cargo, então, exagera na demonstração disto.            


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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