O que oferecem a seus leitores jornais e revistas, através dos textos publicados? Uma fiel reprodução da realidade? A realidade só parcialmente reconstruída? Ou uma supra-realidade desconectada dos contextos nos quais nascem aqueles textos?
Nos dois critérios adotados pelo maior teórico brasileiro da área de Comunicação Social, José Marques de Melo, para a classificação dos gêneros jornalísticos, no livro “A opinião no jornalismo brasileiro”, a ligação texto-realidade assume grande importância. De acordo com seu primeiro critério, Melo distingue “relatos escritos com a intenção de reproduzir o real” dos “relatos escritos com a intenção de ler o real”. Segundo outro critério, Melo leva em conta a articulação entre os acontecimentos (o real), a expressão jornalística deles (o relato, o texto) e a apreensão feita pela coletividade (a leitura). Para ele, há gêneros jornalísticos que se estruturam a partir de um referencial exterior. Neste caso, a expressão verbal dos jornalistas depende diretamente da eclosão e da evolução dos acontecimentos, assim como da relação que eles, jornalistas, estabelecem com os protagonistas de tais acontecimentos. Tais gêneros Melo classifica como informativos.
Já Samira Chalhub questiona a possibilidade de a linguagem, oral ou escrita, reproduzir fielmente o real, na obra “Funções da linguagem”. Segundo Samira, a suposição de que a linguagem denotativa referencial, como a do Jornalismo, reflete o mundo real se baseia em outra suposição, a de existir transparência, equivalência, colagem entre um nome e a coisa que ele designa. Será, assim, tão simples? ela indaga, com evidente ceticismo.
Outra autora, Cremilda Medina, em “Notícia: um produto à venda”, insere a questão no âmbito do Jornalismo. Diz ela: “Uma prova de que a notícia, do ponto de vista do relato, não é mais o próprio fato, imparcialmente relatado, são as próprias variações de narrativa de jornal para jornal”, quando eles cobrem os mesmos acontecimentos.
A relação texto-realidade no Jornalismo aparece também no prefácio, de autoria de Cláudio Willer, do livro “Com as mãos sujas de sangue”. O livro traz as reportagens escritas por Marcos Faerman. Nele, Willer diz que subjaz nos textos de Faerman o problema fundamental da existência de realidade no que está sendo descrito pelo repórter. Toda a obra de Faerman, de acordo com Willer, lembra que a reportagem, bem como as demais formas de registro dos fatos, apenas levanta a ponto de um véu, selecionando e privilegiando algum fragmento de uma totalidade. Ao lembrar isto, Willer prossegue, a obra de Faerman questiona o alcance da reportagem, exercendo uma função crítica do Jornalismo, e, serve, em termos mais gerais, como crítica das próprias categorias de conhecimento.
Há nas entrelinhas dos textos de Faerman, diz ainda Willer, uma suspeita sempre presente de que a história não termina ali, que vai mais além, não se esgota nos fatos aparentes e que sempre sobra alguma coisa para ser dita, tal a complexidade de qualquer tema tratado.
As reflexões de Samira, Medina e Willer, portanto, mostram inconsistências no discurso que sustenta a possibilidade de completa objetividade de jornais e revistas.
Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP