Um estado de apaixonamento não envolve sempre prazeres sexuais, físicos, atendidos ou simplesmente aspirados, de modo consciente, como se imagina habitualmente. Também nós nos apaixonamos por uma música. Desde que, é claro, esta música seja capaz de nos fazer perceber que somos capazes de atingir um grau na escala da fruição dos prazeres estéticos que, antes de ouvi-la, não imaginávamos poder alcançar.
Quem teve o privilégio de ouvir o clarinete tocado pelo músico brasileiro Paulo Moura conhece bem a possibilidade que tem uma música de provocar tal efeito num ouvinte. Quando se ouvia o músico era possível ter o mesmo tipo de pensamento que ocorre a uma pessoa apaixonada. Esta pessoa pensa assim: “Eu não sabia que podia gostar tanto de alguém. Ou melhor, eu não sabia que uma pessoa – por acaso, eu – podia gostar tanto de outra pessoa”. Já os ouvintes de Paulo Moura podiam pensar: ”Eu não sabia que alguém – por acaso, eu – podia encontrar tanta beleza numa música”.
Em resumo, o artista colocava ao alcance de seu público uma espécie de experiência metafísica, algo que revelava tão profundamente como era cada um de seus ouvintes que eles saíam da experiência de ouvi-lo com a certeza de que tinham feito uma descoberta valiosa para toda a humanidade.
A morte de Paulo Moura, há pouco menos de dois anos e meio, espalhou pelo mundo uma dor fina, intensa. Menos de 48 horas, após o anúncio de seu falecimento, chegaram cerca de 400 mensagens ao seu site oriundas, em parte, de 50 cidades brasileiras, algumas delas, metrópoles, como São Paulo e Rio de Janeiro, outras, desconhecidas, como Russas, no Ceará, e, Caranaíba, em Pernambuco. E em parte, provenientes de 11 países estrangeiros: Suíça, França, Austrália, Alemanha, Estados Unidos, Porto Rico, Inglaterra, Japão, Canadá, Holanda, Dinamarca.
Em todas as mensagens, a mesma angústia provocada pela necessidade de verbalizar tristeza e muita gratidão. Um exercício penoso para quem estava acostumado a uma comunicação densa, rica, essencial, com Paulo Moura, um xamã da Música.