Há menos de meio século, havia muita gente dentro do mercado profissional do Jornalismo de São Paulo que achava impossível um dia existir mão de obra feminina na Editoria de Esportes de uma grande publicação. A explicação para a descrença era simples. E expressava-se numa única pergunta: como elas poderiam ter acesso aos vestiários dos campos do esporte mais valorizado no país, o futebol, nos quais os jogadores muitas vezes conversam com os jornalistas, nos finais de partidas, nus, debaixo das duchas dos banheiros?
O curioso é que neste período, correspondente ao início dos anos de 1970, grande parte dos jornalistas do país se mostrou capaz de muitas ousadias. Na amargura daqueles Anos de Chumbo, da ditadura militar implantada na década anterior, eles enfrentaram heroicamente os órgãos policiais de repressão, como a Censura Federal, ao mesmo tempo em que realizaram avançadas experiências de linguagem no campo da criação do texto profissional.
Na verdade, aquele veto, supostamente definitivo, existente na área de Esportes, já era visto, com frequência, como um dos últimos baluartes do machismo, dentro das redações, pois, elas, embora preponderassem numericamente apenas nas publicações dirigidas ao público feminino, se espalhavam, ainda em minoria, pela seara da chamada Imprensa Alternativa e pelo espaço, considerado nobre, do Jornalismo Econômico. Como ocorria num órgão importante, A Gazeta Mercantil. Além disto, elas tinham tido alguma presença na Realidade, revista de grandes e antológicas reportagens.
Ao longo dos anos seguintes as mulheres foram silenciosamente se instalando em todos os recantos do mercado de trabalho dos jornalistas. Hoje, superam numericamente os homens, como acaba de constatar um levantamento realizado pela Federação Nacional dos Jornalistas, divulgado pela Agência Brasil.
Numa matéria assinada por Thaís Leitão, a agência informou: “A maioria dos jornalistas brasileiros é formada por mulheres brancas, solteiras, com até 30 anos de idade. No total da categoria, elas representam 64%”.
Esta conquista de trabalhadoras brasileiras certamente faz parte dos avanços da democracia no país. É um estímulo à renovação da crença no valor da democracia, num momento de desânimo provocado pela incorrigível perversão de tantos políticos corruptos agravada agora pelo fundamentalismo religioso retrógrado e eticamente suspeito que parece ganhar força cada vez maior entre nós.
Que as mulheres, como os homens, possam ser felizes nesta profissão e, juntos, consigam superar as tensões e apreensões criadas pelas inovações tecnológicas que mudaram tanto a prática do Jornalismo, ultimamente!