Mundo das Palavras

O alerta ao papa

Confira a coluna semanal Mundo das Palavras, assinada pelo jornalista e professor doutor Oswaldo Coimbra

Há poucos dias, um colunista brasileiro dirigiu um alerta ao papa, sobre a desatenção que julgava existir na maior autoridade do Catolicismo mundial, com a qual ele correria o risco de ser visto como displicente e indiferente ante milhões de fiéis de sua igreja. O jornal deste colunista circula numa capital distante do eixo Rio-São Paulo, com uma tiragem pequena, se comparada a das publicações de circulação nacional. Por isto, a advertência dele poderia ser confundida com alguma nova piada igual àquelas usadas pelos próprios jornalistas para caçoaram de si mesmos, devido ao sentimento de onipotência que, às vezes, lhes cegam. Uma delas tem como protagonista o editorialista de um pequeno jornal do interior de São Paulo que um dia teria escrito: “Infelizmente, o presidente dos Estados Unidos não quis levar em conta a advertência que lhe fizemos ontem”. 

            O colunista, no entanto, nada tinha do irrealismo delirante daquele editorialista fictício. Na verdade, os leitores dele se concentram numa cidade de 400 anos marcada pela presença de poderosas ordens católicas, desde sua fundação. Franciscanos, carmelitas, mercedários e jesuítas construíram nela, nos séculos XVII e XVIII, conjuntos arquitetônicos monumentais ainda hoje impressionantes pela riqueza e volumetria.

            Este lugar é Santa Maria de Belém do Gram-Pará, ou simplesmente Belém, identificada com o  Catolicismo até no seu nome original. Nela se reúne, todos os anos, o maior “rebanho” da igreja do papa Francisco, para usar uma linguagem pastoral tão cara aos católicos. São dois milhões de fiéis, os “romeiros”, como gostam de ser identificados, que se juntam para acompanhar a procissão do Círio de Nazaré, anualmente, nos segundos domingos de outubro. Formam um aglomerado humano tão grande que seu desfile por um ponto fixo qualquer da cidade – uma casa, um prédio – demora seis horas para se encerrar inteiramente. Nada os afasta da manifestação, para a qual atraem os parentes, estejam eles onde estiverem, no Pará, no Brasil ou no Exterior, como se todos devessem cumprir obrigação semelhante a dos muçulmanos nas visitas à Meca. Nem mesmo os abalam os casos de corrupção e de pedofilia cometidos por religiosos, aqueles que levaram antigos católicos a engrossarem as fileiras do Protestantismo no Brasil.

            O Círio é uma rara manifestação, mesmo no âmbito de qualquer religião. Só comparável às que os muçulmanos realizam. E é única, entre católicos, no planeta. Porém, jamais teve a presença de um papa, embora desde 1720, o Vaticano mantenha representante em Belém.  

            Portanto, foi com objetividade profissional que o jornalista Guilherme Augusto, do Diário do Pará, indagou numa nota antecedida pelo título “Com todo o respeito”: “Quando é mesmo que o papa Francisco vai mandar a sua mensagem de saudação à Virgem de Nazaré?”. “Faltam apenas três dias para o Círio”, ele acrescentou.

            Não provocou a mesma inquietação, felizmente, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Para o órgão o Círio é oficialmente um patrimônio imaterial. Sua preservação ele o incluiu entre as obrigações do Estado brasileiro. Isto desde 2004, quando a manifestação católica havia completado 211 anos.                      

 

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