A área da cultura brasileira, por fim, saiu do estado de letargia em que dormitava, havia muito tempo. E, curiosamente, isto ocorreu por obra e graça de personagens que a abalaram, quarenta anos atrás, ultimamente instalados numa espécie de confortável aposentadoria.
Os agitadores culturais, neste momento, são: o ex-comandante da revolução jovem comportamental brasileira, atual empresário e cantor, Roberto Carlos; os dois ex-líderes de outra revolução, o movimento anárquico-artístico conhecido como Tropicalismo -, Caetano Veloso, hoje um cordato “garoto de ouro” da empresária Paula Lavigne, e, Gilberto Gil, cuja condição de artista continua encoberta com a de ex-ministro. E, por fim, o ex-grande combatente da Censura Federal, Chico Buarque, agora um discreto e pacífico escritor de livros de ficção.
A batalha que eles decidiram sustentar é desconcertante para quem os vê como eternos rebeldes. Pois querem preservar um precedente jurídico obtido por Roberto Carlos, com o qual o antigo Rei da Juventude pode vetar o trabalho do jornalista Paulo Cesar Araújo, dedicado biógrafo dele. Os advogados de Roberto, para lhe darem este poder, apoiaram seus recursos num artigo do Código Civil relativo ao direito à privacidade. Roberto não titubeou, depois da conquista de poder: mandou retirar das prateleiras das livrarias o livro de Paulo César, “Roberto Carlos em detalhes”, sem se importar com o prejuízo causado à editora e ao próprio jornalista que havia empregado quinze anos, numa minuciosa pesquisa.
Ocorre, porém, que aquele artigo do Código Civil conflita com um direito essencial ao Jornalismo, o da liberdade de expressão, garantido pela Constituição Federal. Por esta razão, o Supremo Tribunal Federal está se preparando para estabelecer os parâmetros legais definitivos que devem orientar a Justiça nesta matéria. Neste momento, os juízes daquela corte querem ouvir as diversas partes interessadas. Assim, programaram uma sessão aberta, para os próximos dias na qual vão ouvi-las.
Mas, o conflito já se estabeleceu. Está nas páginas dos jornais e nos principais sites jornalísticos.
Há dias, o colunista Ancelmo Góis, por exemplo, vem denominando de Lei Roberto Carlos o precedente jurídico que levou ao recolhimento dos livros de Paulo César Araújo. Sua intenção é óbvia. Quer associá-lo à Lei Freury, editada durante a Ditadura Militar pós-1964, para proteger o delegado torturador de presos políticos, Sérgio Fleury.
Porém, não só na coluna de Ancelmo se nota este sentimento de indignação. Ele se alastrou pela categoria dos jornalistas.
Nos próximos dias, portanto, ninguém vai ter suportar a pasmaceira que havia tomado conta da área da nossa cultura. Muita agitação haverá nela, até – e, quem sabe, após – a manifestação do STF.
Uma agitação tão surpreendente quanto as recentes manifestações públicas em nossas ruas, antes ocupadas sobretudo por assaltantes em fuga e engarrafamentos de trânsito.