Mundo das Palavras

MORTE SERENA

Confira a coluna semanal Mundo das Palavras, assinada pelo jornalista e professor doutor Oswaldo Coimbra

Um brasileiro que tenha 30 anos de idade não sente a menor angústia por não ter existido até 1978. Nada nele, enquanto forma de vida,houve sobre a Terra durante os longuíssimos anos anteriores a 1977, no qual ele pode ter sido gerado. E isto nenhum incômodo lhe causa. No entanto, este mesmo brasileirocertamente foge até mesmo da lembrança de que ele deixará de existir, num dia do futuro.

No Brasil, somos assim. Por que? Devido ao tipo de religiosidade cristã que domina nossa maneira de encarar a vida?A morte, segundo nossas crenças, é o momento em que cada um de nós terá de prestar contas de todos os nossos atos diante de um tribunal com poder para nos premiar e punir inapelavelmente. E, o pior, nossa aflição aumenta porque, ao mesmo tempo, não estamos lá muito seguros da consistência daquilo em que acreditamos. Tanto que nossa religiosidade se mistura com muitos prazeres mundanos e pagãos. E sofre as críticas de Ciências para as quais ela parecem ultrapassadas ou pelo menos desatualizadas. Nestas circunstâncias um encontro periódico dúvidas se tornam inevitáveis para nós. Perguntamo-nos, às vezes: e se, afinal, o discurso religioso for mesmo apenas um modo de raciocinar fantasioso?

Assim, a morte se torna, dentro das contradições que povoam os espíritos brasileiros, não só o momento no qual poderá ser definido nosso destino eterno, como, ainda, o instante no qual serão checadas as verdades que admitimos e influenciaram nossas vidas. Não pode, então, deixar de provocar muita inquietação. E,desta inquietação para passarmos ao esquecimento deliberado da morte, precisamos apenas dar um curto passo, do ponto de vista da evolução de nossos estados psicológicos.O que aumenta ainda mais o medo da morte, pois, a fuga mental nos priva da oportunidade de elaborarmos uma maneira menos desconfortável de pensarmos nela. A morte se torna um raio que um dia nos fulminará, quando, de fato, é o acontecimento mais previsto de nossa existência.

Estas cogitações devem parecer estranhas aos nossos leitores. Dentro do Jornalismo, estetema é reservado apenas para os espaços sensacionalistasda criminalidade – outra demonstração da necessidade que temos de escondê-lo. No entanto, o cronista e escritor-jornalista Ruy Castro, há poucos dias, abordoua morte na sua coluna daFolha de São Paulo. Uma amiga dele encontrou no pé da sumaúma favorita de Tom Jobim, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, cinzas funerárias provenientes de uma cremação. E isto fez nascer, através de Ruy, uma crônica sobre o modo belo e poético como a família carioca do dono do corpo cremado se despediu dele.

Junto com a crônica, veio uma esperança. Quem sabe, por fim, esteja surgindo no Brasil, um modo mais sereno de encarar nossa finitude.

 

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