Mundo das Palavras

ÂNIMO PARA UM NOVO ANO

Confira a coluna semanal Mundo das Palavras, assinada pelo jornalista e professor doutor Oswaldo Coimbra

 

            Os brasileiros mais velhos lembram que, até os anos de 1950, fomos dominados por uma religiosidade impregnada de superstições e preconceitos. Vigente antes das profundas transformações trazidas para a Igreja Católica pelo papado de João XXIII, a partir do início dos anos de 1960.

            O ambiente de intolerância moral em que estávamos mergulhados contaminava o culto às religiões. Inclusive, ao Catolicismo. Padre não podia andar nas ruas sem sua batina. E, ai dele, se viesse a se envolver afetivamente com suas paroquianas e, por esta razão, “abandonasse a batina” a fim de viver com uma delas. A católica solteira não podia ter vida sexual plena antes de se casar. E, depois de casada, se o relacionamento com o marido desandasse, ela não podia separar-se dele, embora houvesse a possibilidade legal oferecida pelo desquite. Pois uma mulher desquitada seria sempre mal vista e mal recebida.

            Nas estatísticas em que os católicos apareciam como quase a totalidade da população brasileira, pobre também de quem aparecesse como exceção. O praticante de Candomblé era encarado como pessoa endemoniada. O espírita estava sujeito a constrangimentos. Para provocá-los havia, por exemplo, um jesuíta espanhol Oscar Quevedo que escrevia livros com títulos como “Há provas de que os mortos agem?” e “Identificação dos mortos?”. Neles, o religioso “demonstrava” que nada no Espiritismo merecia credibilidade.

            Mas era nos julgamentos de condutas sexuais que esta estreita compreensão dos seres humanos se manifestava mais claramente. Oshomoafetivos, então considerados pela própria Organização Mundial da Saúde como doente mental, se tornavam objeto de estudos supostamente científicos. O Instituto Médico Legal de São Paulo, por exemplo, publicava ensaios ilustrados com imagens nas quais eles apareciam como cobaia. À semelhança dos seres humanos usados nas experiências feitas pelos médicos nazistas em campos de concentração da Segunda Guerra Mundial.

            Pior ainda era a situação de quem já estivesse marcada por antigos estigmas de marginalização social, como as prostitutas. A elas era atribuída a petulância de se confrontar com a estreita moralidade vigente. Estas mulheresficavam confinadas em áreas conhecidas como zonas do meretrício pela qual pessoa de boa família jamais passava.

            Tantos eram os medos com os quais aquela rígida moralidade se alimentava que estes sentimentos apareceram até numa letra de música gravada por Ari Lobo, em 1959, depois que os soviéticos fizeram as primeiras tentativas de voos espaciais. Verdadeiro Hino ao Atraso, se chamava “Evolução” exatamente para poder denegrir o progresso. Dizia na sua letra: “Nosso senhor deu ao homem um pouquinho de seu saber. Já começou o abuso. Tudo o homem quer fazer. Já sabe o dia que chove, que faz sol e relampeia. Vê nos ‘por dentro’ e ‘por fora’, cura, mata e faz crescer. Agora que ir à Lua, sem nosso Pai conceber. Doutor não mexa com a Lua, que o mundo pode acabar”.

            É bom lembrar isto para termos esperançana capacidade de nossa sociedade evoluir, agora, que um ano novo se aproxima. Quem sabe, assim, não desanimamos ao vermos que escrachadíssimos políticos,com seus velhos e repugnantes hábitos, já estão preparados para agir nele.     

 

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