Ficou assustado ao ver o nome dele numa das primeiras imagens do vídeo. Um pouco envergonhado. Quatorze anos antes, seus alunos tinham escolhido o nome dele para nomear sua turma de formandos. Mas não esperava encontrar seu nome com tanto destaque naquela gravação.
Na verdade, sequer sabia da existência dela. Por isto, não tinha ainda visto seus alunos ali, felizes às vésperas da cerimônia de encerramento do curso universitário. Uma das disciplinas do curso fora ministrada por ele, mas, desde então, deixara de lecionar naquela universidade.
Viajara para outra região do país. Por lá tinha permanecido todos aqueles anos. Quando o vídeo acabou, havia nele uma espécie de dor fina de quem foi atravessado por um sentimento que, sabia, poucas vezes experimentara. No que estava sentindo, podia reconhecer o poder de deixá-lo ansioso. Sôfrego, queria poder reter aquele sentimento, aquela dorzinha rara. Enfiá-la em palavras. Para que não desaparecesse. E se perdesse. Mas as palavras que poderiam tornar visível e audível a dor fina não surgiam em sua mente. Por mais que se concentrasse nela. As palavras de que necessitava pareciam estar soterradas pelo cansaço de um dia inteiro dedicado à leitura e à produção de textos.
Era imprescindível, portanto, descansar. Quem sabe, assim, elas pudessem brotar naturalmente em seu cérebro, no dia seguinte, implodindo o duro bloqueio que as escondia naquela noite. Foi o que aconteceu. Ou melhor, o que começou a acontecer, logo que amanheceu, porque, como percebeu mais tarde, o esforço mental ao qual teria de se dedicar seria necessariamente prolongado. Afinal, tratava-se de verbalizar algo fluido, raramente manifestado nele. Uma tarefa poucas vezes empreendida antes. Felizmente, no outro dia, recuperado, pôde começar a identificar os elementos do vídeo aos quais atribuía a responsabilidade pelo surgimento nele daquele tipo de dor.
Mentalmente, isolou cada um destes elementos. E começou a enxergar com mais clareza, como alguém que esfrega a mão num vidro embaçado. De início, viu a graça dos seus ex-alunos. Desde que fora estudante como eles, inúmeras vezes, já se encantara com a mesma graça, própria também dos rapazes, mas saliente, sobretudo, nas moças em idade de frequentar universidade. Aquela exuberância física de uma idade em que o corpo humano está finalmente pronto e ainda imune à deterioração que o tempo irá impor. Sempre receptiva a tudo que nos jovens parece ficar bem, dando-lhes encantamento.
Até os adornos mais simples, as roupas menos pretenciosas, os gestos menos estudados, as posturas mais descontraídas. Tudo faz surgir um conjunto de belezas que a sequência dos anos futuros irá fatalmente alterar. Exposta assim ante seus olhos, na gravação, esta fragilidade – silenciosa evanescência – era, sem dúvida, uma das causas de sua dor. Depois, havia aquela corporalidade no modo como eles expressavam gratidão por experiências trazidas pelos anos na faculdade.
Não eram depoimentos puramente cerebrais. Enfatizavam os benefícios obtidos pelo convívio acadêmico e seus belos rostos, seus corpos relaxados na frente da câmera, seus sorrisos transmitiam uma alegria que mais lhe pareceu uma comovente declaração de amor profundo à vida. Dentro de uma expectativa que ele, agora reconhecia, fora outro motivo de sua dor fina.
Naquele momento do novo dia, era-lhe evidente: seus alunos ainda não tinham se dado conta da fresca ingenuidade com que comprometemos muitos dos nossos sonhos na juventude. Tudo isto havia no vídeo. E, ainda, a incrível afetividade das vozes de jovens amorosos, transparente ao falarem uns dos outros, de seus professores, de seus familiares, a impregnar a gravação de uma atmosfera quente, aconchegante. Agora, já não tinha mais ansiedade. Estava, por fim tranquilizado. Ali estavam algumas das palavras que buscara no dia anterior. E elas lhe davam a certeza serena: teria mesmo de ter sentido aquela dor.