Há mais de 60 anos, teve fim o pesadelo trazido à Humanidade pelo Nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. Seus episódios mais monstruosos ainda desafiam a nossa capacidade de compreender o comportamento humano. Mas isto, contudo, não tem impedido a admiração de leigos e estudiosos por um militar alemão, o marechal de campo Erwin Joahannes Eugen Rommel, a quem são debitadas pelos historiadores seguidas vitórias contra as tropas dos países aliados, supostamente defensores da democracia. Mas a quem ninguém jamais atribuiu ato indigno, que pudesse ser considerado crime de guerra.
Portanto, durante aquele pesadelo houve, sem dúvida, militares alemães que mostraram uma agressividade desmedida, doentia, criminosa. Mas, houve também, uns poucos, como Rommel, impulsionados unicamente pela destrutividade imposta por um conflito armado.
Hoje, quem quiser entender o caráter monstruoso da ação bélica que atingiu a tripulação do navio brasileiro “Antonico”, terá de levar em conta esta divisão. O afundamento da embarcação foi obra do submarino alemão U 516, cuja artilharia o atingiu no litoral da Guiana Francesa, no dia 22 de setembro de 1942.
Do ponto de vista das exigências morais cabíveis num conflito militar, o aspecto inaceitável daquela ação bélica não se manifestou na destruição do navio, conquanto a embarcação, desprovida de armas, fosse usada somente como um meio de transporte de mercadorias. Nem mesmo na morte de 16 tripulantes do “Antonico”. Afinal o ataque se inseriu na série de represálias desencadeadas por Hitler como reação à assinatura pelo Brasil do pacto de aliança estabalecida por países que o combatiam.
O que, na verdade, fez surgir no Brasil, após o final da guerra, com a derrota dos nazistas, uma reação contra o comportamento do comandante do submarino, o capitão-tenente Gerhard Wiebe, foi o fato de as mortes terem sido desnecessárias ao objetivo principal daquela manobra militar alemã. Destruído o “Antonico”, Gerhard Wiebe poderia ter ordenado que o U 516 simplesmente se afastasse daquela área. Ele, no entanto, ao saber que os 40 tripulantes do “Antonico” tinham se abrigados em botes salva-vidas, mandou que fossem metralhados.
Como esta situação de violência descabida num conflito armado, envolvendo brasileiros, agora outra, ocorrida nos Anos de Chumbo da Ditadura Militar instalada no Brasil em 1964, acaba de ser confirmada. Naqueles anos, um movimento de oposição armada, integrado basicamente por estudantes, operários e ex-sargentos, tentou enfrentar as Forças Armadas, com táticas de guerrilhas urbana e rural. Surgiram os previsíveis embates com armas. E, neles, as mortes de inimigos obviamente eram buscadas. Mas, nem todas as mortes ocorreram em combates. Pois, embora com gritante supremacia, as três instituições militares brasileiras – Exército, Marinha e Aeronáutica – não dispensaram seus agentes do uso de tortura na coleta de informações guardadas por inimigos presos.
Um destes presos, o cearense David Capistrano, foi levado para um centro de tortura instalado numa casa em Petrópolis. Ali, denunciavam companheiros deles, foi assassinado de forma bárbara. Recentemente lançado, o livro “Sem vestígios” da jornalista Taís Morais, veio confirmar estas denuncias. Em sua pesquisa, Taís Morais conseguiu encontrar anotações de um agente secreto da Ditadura, conhecido como Carioca, já falecido. Nas quais, há o registro do estado em que, após as torturas, ficou o corpo de Capistrano, num quarto daquela casa: “Um tronco, dividido ao meio. As costelas de Capistrano pendiam ao teto, e ele, reduzido aos pedaços, como se fosse uma carcaça de animal abatido, pronta para o açougue”.