Quem foi criança no Brasil, na década de 1950, certamente assistiu a algum desfile militar de 7 de Setembro, em homenagem ao dia em que formalmente comemoramos a decretação de nossa independência em relação a Portugal, país de quem fomos colônia por mais de três séculos. E terá visto alguns dos brasileiros que sobreviveram à luta contra o Nazifacismo, na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial.
Convocados que foram àquelas batalhas pelo Governo Getúlio Vargas, em 1944. Ao longo de todos aqueles anos os pracinhas, como são chamados, formaram um pequeno grupo, desconcertantemente organizado como se ainda fora um pelotão. Com os mesmos participantes, visivelmente envelhecidos à passagem de cada ano, o arremedo de pelotão contrastou cada vez mais com os vigorosos pelotões dos jovens recrutas convocados anualmente pelas Forças Armadas para a prestação do Serviço Militar.
À paisana – geralmente portando surradas gravatas e paletós amassados em cujas lapelas penduravam suas condecorações -, alguns já com dificuldade de andar, os pracinhas provocavam funda consternação nas crianças, à passagem de seu grupo, na pista de avenida dos desfiles. Muitas daquelas crianças se tornavam adolescentes sem deixar de comparecer aos desfiles. Em algum momento, devem ter se perguntado: por que aqueles senhores não se libertavam da obrigação de participar dos desfiles? Por que não se libertavam da própria lembrança da Segunda Guerra para que suas vidas não ficassem congeladas e eles pudessem seguir em frente, ultrapassando assim uma fase cada vez mais distante no tempo?
Tais supostas crianças indagadoras, hoje, têm cerca de 60 anos de idade. E, por sua vez, talvez provoquem em seus filhos e netos a mesma incompreensível impressão que os pracinhas lhes deram, no passado. Já que suportaram do princípio até o fim todos os vinte e um ano da prolongada Ditadura Militar imposta ao país depois do Golpe de Estado, que, no dia 1 de abril de 1964, derrubou João Goulart, da presidência da República. E, é claro, ninguém consegue apagar um período de tempo tão longo incrustrado na limitada cota de tempo que cada ser humano tem para existir.
Por isto, estes velhinhos de hoje estarão sempre presos a fatos de um passado cada vez mais afastado, numa espécie de teimosa recusa em seguir avante, sem o peso de antigas marcas, embora, como todos os brasileiros há trinta anos tenham voltado a viver sob a égide de leis democráticas. Assim, certamente, parecem tão obsessivos na manutenção de suas lembranças como lhes pareceram os pracinhas. Aos jovens eles dirão sempre que tais lembranças precisam mesmo ser preservadas para que no Brasil nunca mais haja falta de liberdades democráticas. Mas, ninguém se surpreenda se os jovens, ao ouvirem isto, sentirem dificuldade em entendê-los. Exatamente, como eles, crianças, sentiam diante daquele pobre pelotão de pracinhas.