A socióloga Ana Simioni, para elaboração de sua tese de doutorado, pesquisou o motivo pelo qual a primeira escultora da História das Artes no Brasil, Julieta de França, assim como outras artistas de sua época se tornaram, em geral, desconhecidas, tanto do público leigo que aprecia as criações artísticas, como dos especialistas que produzem obras incluídas nas bibliografias de estudos neste campo. Na sua pesquisa, a socióloga percebeu que estas mulheres invisíveis dentro da cultura artística nacional foram vítimas de preconceito.
Depois de defender com êxito sua tese na Faculdade de Sociologia da USP, numa entrevista que concedeu ao jornal da Unicamp, Simioni ressaltou que aquelas artistas como, então, todas as mulheres, eram considerados como seresintelectualmente diferentes dos homens. “Os homens seriam providos de criatividade, capazes de grandes invenções, enquanto que as mulheres, embora mais sensíveis e detalhistas, possuíriam faculdades apenas imitativas, sem a criatividade do gênio”, ela ressaltou. A pesquisadora prosseguiu: no Brasil, esse tipo de pensamento se refletia nos julgamentos dos críticos de arte. Eles tendiam a rotular a produção feminina como amadora. Um “rótulo perigoso na medida em que as colocava em uma situação de inferioridade com relação às obras feitas por artistas masculinos”, acrescentouSimioni.
O caso de Julieta de França é exemplar. Embora tenha se distinguido enquanto estudou na Escola Nacional de Belas Artes – ENBA, do Rio de Janeiro, a ponto de obter bolsa de estudo de cinco anos em Paris, onde foi aluna de August Rodin, o criador da Escultura Moderna, nem por isto escapou da situação de vulnerabilidade em que as mulheres brasileiras foram colocadas. Bastou um desentendimento com o escultor Rodolfo Bernardelli, diretor da ENBA, para que sua promissora carreira fosse liquidada. Isto, depois de, em Paris, ter sido alçada pela crítica de artes ao mesmo patamar de Rodin quando ambos inscreveram trabalhos num salão de artes.
Ocorreu que, mais tarde, Julieta teve uma obra sua desclassificada num concurso, no Brasil. E o presidente da comissão julgadora era Bernardelli. Julieta, em vez de acatar passivamente a condição de inferioridade a que estava predestinada, teve a ousadia de enfrentar aquela comissão julgadora reunindo mais de quatro dezenas de pareceres favoráveis à sua obra entre artistas e críticos de vários países da Europa. O atrevimento lhe fechou definitivamente as portas para o exercício da profissão de escultora, no Brasil. Sua exclusão das nossas artes não foi impedida nem mesmo quando, quinze anos depois do confronto com Bernardelli, venceu outros dois concursos em sua terra natal, Belém. Tornaram-se incertos os destinos dassuas obras, vencedoras naqueles concursos, porque a capital do Paráfora abalada pelo massacre pessoal e político do seu melhor prefeito durante o período da Belle Époque amazônica, Antônio Lemos, enfraquecido no contexto da crise da exportação da borracha na região. Julieta terminou seus dias como obscura professora de Modelagem no Instituto de Surdos e Mudos carioca.