Coluna semanal do jornalista, doutor em Comunicação Social e professor Oswaldo Coimbra
A inclemência de Roberto Carlos em relação ao escritor Paulo César de Araújo se tornou um escândalo internacional. Chegou até àqueles países dos continentes americanos e europeus nos quais o cantor se tornou conhecido, ao longo de sua duradoura carreira. O caso é muito conhecido: Araújo durante 14 anos pesquisou a vida e a trajetória artística do artista. Depois escreveu “Roberto Carlos em detalhes” considerado um trabalho sério, produzido com o talento dos bons escritores, através do qual seu autor expressou de modo intenso e profundo indisfarçável admiração pelo cantor. Roberto, no entanto, não aceitou a obra. E montou uma grande, e cara, equipe de advogados para impedir a venda dela. A alegação de Roberto: Araújo quis se apropriar da história dele. Alegação obviamente despropositada. Pois poucas pessoas públicas de nosso país tem, como Roberto, uma história tão minuciosamente acompanhada, passo a passo, há mais de meio século, nos espaços de inúmeros órgãos de comunicação de massa.
No desenrolar deste caso a cena mais dramática ocorreu num prédio do Tribunal de Justiça de São Paulo, no bairro da Barra Funda. Numa audiência de conciliação, a equipe de advogados de Roberto forçou e conseguiu que a Editora Planeta, responsável pela publicação do livro de Araújo, aceitasse a proibição de voltar aquela obra. E mais: a editora foi obrigada a entregar para Roberto os 10.000 exemplares dela que ainda tinha estocado. Os já distribuídos teriam de ser recomprados pela editora e igualmente entregues ao cantor. Quando aquele acordo esdrúxulo foi assinado, o escritor despencou da frágil situação de equilíbrio psicológico em que tentava se manter, desde o início daquele caso. Diante de Roberto, dos advogados e do juiz, ele chorou convulsivamente.
Tornara-se evidente para Araújo o contraste entre Roberto Carlos estudado por ele – o cantor de timbre moderno e repertório irregular, para muitos, o melhor retrato da alma brasileira – e o homem real colocado ali na frente dele desnudo, naquele Tribunal de Justiça, na sua obsessão em perseguir aquela pesquisa.
Desde aquele dia, o tempo transcorrido tornou claro o seguinte: nem Araújo, nem Roberto mudaram, desde então. Araújo escreveu outro livro, desta vez dedicado exclusivamente à reconstituição do que aconteceu com aquela sua pesquisa, intitulado “O réu e o rei”. Nele, mais uma vez, ele revelou seu valor como pesquisador e como escritor. Todos os episódios que revelaram a firme intolerância de Roberto foram incluídos neste novo livro. Mas, surpreendentemente, Araújo continuou tratando Roberto como seu maior ídolo. Por seu lado, Roberto teve de suportar todo tipo de pressão para a obra de Araújo fosse liberada por ele. Desde seus amigos mais próximos até a imprensa, do Brasil e de outros países cobraram esta atitude dele. E nada o moveu até aqui.
O que isto significa? Araújo – é óbvio – precisa continuar cultivando o sentimento de admiração por Roberto que o levou a uma dolorosíssima frustração. Mas, que, ao mesmo tempo, o estimulou a escrever os dois livros com os quais se firmou definitivamente no ambiente intelectual do Brasil, como escritor respeitável. De outro lado – é óbvio também -, o conhecido comportamento obsessivo-compulsivo de Roberto Carlos, manifestado por inúmeras implicâncias dele com cores, números, palavras, é despertado quando sua biografia está em discussão.
Dois seres humanos, num conflito insuperável. Ambos, como os demais, marcados por seus sinais característicos. De fragilidade e grandeza.