Coluna semanal do jornalista, doutor em Comunicação Social e professor Oswaldo Coimbra
Há uma semana, quando o educador Rubem Alves morreu, sua família divulgou uma carta, na qual ele se refere à própria morte. Embora curta, e, escrita de modo singelo, a carta contém três diferentes manifestações do educador.
Inicialmente, Rubem, em vez das lamentações que costumam cercar o fim de uma existência humana, manifesta gratidão pela possibilidade de viver. Com lucidez e beleza, escreveu: “Sou grato pela minha vida… Recebi muito, fui muito amado, tive muitos amigos, plantei árvores, fiz jardins, construí fontes, escrevi livros, tive filhos, viajei, experimentei a beleza, lutei pelos meus sonhos”.
Esta parte da carta termina com uma pergunta: “Que mais pode um homem desejar?” A ela, Rubem dá sua resposta pessoal: “Procurei fazer aquilo que meu coração pedia”.
Adiante, naquele breve texto, o educador concentra a atenção na morte enquanto um fenômeno meramente biológico. Diz que a temeu porque, explica, “o morrer pode ser doloroso e humilhante”.
Antes, porém, tem o cuidado de introduzir aquele que será o mote da terceira e ultima manifestação inserida por ele na carta.
“Não tenho medo da morte”, anuncia, referindo-se, agora, não mais ao “morrer”, mas à sua futura não existência. Sobre isto, ele indaga: “Voltarei para o lugar onde estive sempre, antes de nascer, antes do Big Bang?” E, com serenidade, declara: “Durante esses bilhões de anos, não sofri e não fiquei aflito para que o tempo passasse. Voltarei para lá até nascer de novo."
Infelizmente estes sentimentos de Rubem não estão no quadro psicológico com o qual, em geral, as pessoas se confrontam com o acontecimento natural mais previsível da história de cada um de nós. Nossa cultura nos deixa impregnados de algo muito diferente, quando chega o momento daquele confronto. Pois, raramente conseguimos, antes dele, nos dar conta do orgulho doentio e enganador alimentado pela avidez consumista que atinge quem integra uma sociedade como a nossa, estruturada de acordo com a suposição de que o importante é obter, a qualquer custo, vantagens sobre outras pessoas.
Com isto, poucas pessoas conseguem sair da vida com a dignidade e a lucidez de Rubem Alves, gratas por aquilo que nela verdadeiramente tem valor. Imunes, assim, ao pânico e à excessiva dramatização que, entre nós, costuma envolver a simples ideia da morte. Embora, como lembrou o educador, não devamos temer a não existência, já que voltaremos a ela depois de termos permanecido nela por milênios, sem sofrimento.
Na verdade, medo só devia nos inspirar mesmo a incapacidade de aproveitar grandes bens colocados a alcance de todos nós, como o afeto humano, o sonho altruísta e generoso e a criatividade.