Em 1985, Serra Pelada ainda era considerado o maior garimpo a céu aberto do mundo. No inicio daquela década, havia produzido sete toneladas de ouro, num único ano, extraídas por uma multidão de 80 mil garimpeiros reunidos ali pela possibilidade de enriquecer. Brasileiros das mais diversas regiões, que, enquanto garimpavam, deixavam suas famílias numa vila fundada por um casal de trabalhadores rurais – João e Maria da Costa -, no quilômetro trinta da Rodovia PA-275, por isto conhecida como Trinta.
O acesso à riqueza permitia que eles diminuíssem os incômodos impostos a seus familiares oferecendo-lhes oportunidades de diversão através da contratação de artistas conhecidos. Em 1982, por exemplo, aportou ali toda a equipe de filme “Os Trapalhões na Serra Pelada”. Nestas ocasiões, na ausência de vagas em hotéis, alguns artistas buscavam abrigo numa ampla e confortável casa de madeira, na qual vivia o nordestino Manuel Gino, com mulher e duas filhas pequenas.
Manoel saíra de Dois Rios, no Recife, para montar no Trinta uma venda de alimentos. Sua filha menor, de cinco anos, acostumou-se a ver cantores como Zezé de Camargo, Leandro e Leonardo servindo-se de comida preparada pela mãe dela. A menina conheceu Raul Seixas descansando num dos beliches de sua casa. Ele, então, estava no início de uma fase de depressão. Havia se separada da última mulher, o que ria empurrá-lo na direção das drogas pesadas. Raul foi o único cantor que, com sua carga usual de irreverência, deixou registrada sua passagem por Serra Pelada. Fez isto na música: “Banquete de Lixo”.
A criança de Manoel desde cedo apresentava os traços físicos das três etnias que formaram a população brasileira. Pele morena, com leve influência africana, cabelos intensamente negros como os da índia Iracema, criada por José de Alencar, e, nariz afilado de branca europeia. Nela, acertadamente Manoel viu a beleza latina da atriz que ele idolatrava, Gina Lollobrigida, considerada, na sua infância, a mais bela criança da Itália. À filha ele deu o nome da atriz, mas, leal à sua região, acrescentou-lhe um “Severino da Silva”, uma referência talvez involuntária ao personagem do poema de João Cabral de Melo em cuja sina foi incorporada a dramática realidade do brasileiro pobre.
Aquela filha de Manoel iria conviver com as fotos dos artistas hospedados em sua casa enquanto seu pai ouvia incansavelmente músicas de Roberto Carlos. A irmã de Gina, influenciada por aquele ambiente doméstico, iniciou uma carreira de cantora de bandas do Pará, com o nome de Geanny Ginos. Inicialmente, Gina a acompanhou como uma espécie de jovem empresária. Depois, estimulada pela mãe, passou a cantar, também. E teve de enfrentar as adversidades previsíveis. Estava, porém, dotada de disposição e bravura tipicamente severinas. Uma música de Roberto Carlos cantada por ela fez chorar a mãe, moribunda num hospital. Desta música, Gina fez a chave com a qual abriu a porta para a aceitação pelo público. Uma viagem a São Paulo trouxe a ela grande frustração. Na apresentação no programa de calouros de Raul Gil os jurados criticaram pesadamente o modo exagerado como ela tinha se vestido. Gina transformou a viagem num aprendizado definitivo de bom gosto na escolha de vestuário. E na descoberta do prazer de cantar para poucas pessoas, nas ruas. Pois, encontrou Agnaldo Timóteo, um dos maiores cantores românticos do país, se apresentando sobre uma caixa de tomate, numa rua da região da catedral paulistana.
Hoje, Gina se tornou um privilégio desfrutado pela população da Amazônia. Linda, afinada, vestida com elegância discreta, ela oferece um canto que pode ser desfrutado numa rua qualquer. Como o bacuri, fruta da região. Apreciada pela Rainha Elizabeth no jantar sofisticado que o Itamarati lhe ofereceu após a inauguração do Museu de Arte de São Paulo.