Mundo das Palavras

A verve de Cicciolina

No dia 1 de junho de 1997, um domingo, desembarcou de um avião pousado no Rio de Janeiro, a exuberância física da húngara Illona Staller, naturalizada italiana. Illona, conhecida como Cicciolina, tinha uma missão específica a ser realizada fora da cidade carioca. Contratada pela TV Manchete, competia a ela ajudar a aumentar a audiência da novela “Xica da Silva”, produzida e veiculada por aquela emissora, na Grande São Paulo, onde estacionara nos 9 pontos, segundo pesquisas do IBOPE.
 
A suposição dos executivos da rede de televisão era óbvia:  muitos paulistas iriam se identificar com verve de Cicciolina, quando ela aparecesse no papel de Ludovica, “uma cortesã que se passa por princesa genovesa”, na descrição da personagem feita pelo diretor da novela, Walter Avancini, ao repórter Daniel Castro, da Folha de São Paulo, autor de uma matéria  publicada no jornal sobre a vinda de Cicciolina ao Brasil.
 
A composição da personagem destinada à Cicciolina se torna mais clara com uma simples pesquisa no Dicionário Informal da internet sobre o plural da palavra “cortesã”, usada por Avancini. “Cortesãs – diz o dicionário – eram as amantes que se associavam aos ricos e poderosos nobres que as proviam de luxo e bem-estar, assim como status junto à corte, em troca de sua companhia e seus favores”. O  dicionário acrescenta: “Durante o período da Renascença Européia, as cortesãs desempenharam papel importante nas classes mais altas, muitas vezes substituindo a esposa legítima em eventos sociais. Era relativamente comum, naquela época, que maridos e esposas nobres vivessem separadamente, mantendo o casamento apenas por questões de linhagem sanguínea e preservação de alianças políticas, e que os maridos procurassem a companhia agradável e satisfação sexual nas cortesãs”.
 
Era exatamente aquilo que marcava a carreira de Cicciolina: dedicação à satisfação sexual dos homens. De início, como atriz de filmes eróticos, cujos títulos exploraram o humor natural da língua italiana, tais como “Banane al cioccolato”, “Carne bollente”, “La bottega del piacere”, “Tutte le provocazioni di Moana”, “Ho scopato un'aliena”, “Carcere amori bestiali”, “Le perversioni degli angeli”. Depois, como atração da televisão livre da Itália, com poder para ampliar o número de seus espectadores, a ponto de ameaçar da audiência da RAI, a emissora estatal, que terminou tendo de contratá-la. Iniciativa que certamente foi registrada nos escritórios dos responsáveis pela administração da Tv Manchete. Os italianos tinham muito apreço por Cicciolina. Era evidente. E se ainda existisse qualquer dúvida quanto a isto, desapareceu, em 1987, quando Cicciolina obteve a segunda maior votação entre os candidatos ao Parlamento Italiano.
 
A aparição de Cicciolina aumentou a audiência de “Xica da Silva”? infelizmente não há notícias sobre isto. Mas que o amor despertado por ela entre os italianos do Brasil era grande ficou comprovado de um modo surpreendente, numa cidade a três mil quilômetros de distância da capital paulista. Em Belém, cuja feição urbana é marcada até hoje atuação de Giuseppe Landi, um professor de Arquitetura de Bolonha. Ali, surgiu uma música cuja letra dizia:  “Estou do lado da Cicciolina, na sua luta a favor do amor. Aparecendo em todas as mídias, expondo o corpo sem nenhum pudor. Estou do lado da Cicciolina, na sua luta contra o preconceito. Guerra, fome, corrupção – vagina, pênis, coração: o que é que você prefere? Estou do lado da Cicciolina, que todos chamam de branquela revoltante, piranha depravada. Estou do lado da Cicciolina, que os políticos querem arrasar. Ela é somente uma menina, mas mete medo em quem não sabe amar”. A música, gravada por Walter Bandeira, professor de dicção da Escola de Teatro de Belém do Pará, se tornou sucesso na cidade onde Landi desembarcou em 1753. 
 

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