Mundo das Palavras

Sérgio Cardoso e sua filha

Três dias depois, o ator paraense Sérgio Cardoso morreria. Como um toureiro, em plena arena, atacado por um touro perigoso. Seu coração parou repentinamente de funcionar, no dia 18 de agosto de 1972. O enfarte fulminante, como um bicho enraivecido, deixou-o caído no chão da sala de seu apartamento em São Paulo. Havia setenta e duas horas que ele, cardiopata em tratamento, enfrentava aquele animal ameaçador atiçado pela tensão das vésperas do seu retorno ao espaço dos teatros. Local sagrado, para Sérgio, no qual ao longo de 16 anos assombrara  com seu talento Décio de Almeida Prado e Sábato Magaldi, críticos exigentes, e até Bárbara Heliodora – às vezes, impiedosa -, em 31 peças de autores com estilos e temáticas muito diferentes. Nos sete anos anteriores, porém, ele estivera preso a compromissos com a televisão. “Estava tudo pronto: a roupa pendurada no armário, o texto decorado”, escreveu Nydia Lícia, atriz e ex-mulher de Sérgio, no livro “Sérgio Cardoso, imagens de sua arte”.  
 
No dia 15 de agosto, Sérgio havia se isolado por alguns minutos. Diante dele outra tarefa desafiadora: exprimir verbalmente o que sentia em relação a uma jovem de 20 anos de idade, Sylvia Luisa, filha única dele e de Nydia. Passou-lhe pela mente a referência à procriação na conhecida frase-clichê sobre felicidade que a impõe junto com a necessidade de plantio de árvore e elaboração de livro. Ele escreveu: “Mesmo que eu morasse no deserto do Saara e fosse analfabeto de não saber nem assinar o nome em X, bastaria Sylvia”. Desafio semelhante iria ser enfrentado pela própria filha de Sérgio, trinta e dois anos depois. O de verbalizar a lembrança mais forte que havia guardado do pai para que Nydia Licia a incluísse no livro dela. Sylvia se reportou a Sérgio por ocasião da encenação de A Raposa e A Uva,
 
em 1956, quando ela tinha 4 anos de idade. Escreveu: “No final do espetáculo, fui levada até a coxia, onde o encontrei depois de representar Esopo. Estava vestido de trapos, a maquiagem pesada escorria pela face. Tinha o ar cansado e um brilho todo especial no olhar. Pude acompanhá-lo em outras ocasiões. Vê-lo ao final de outros espetáculos e gravações. Com o mesmo brilho nos olhos”.        

Posso ajudar?