Mundo das Palavras

Sérgio Cardoso, o galã atormentado

Lima Duarte, Denis Carvalho, Tony Ramos frequentavam o animado balcão de cafezinho da Padaria Real, a poucos metros dos estúdios das rádio e televisão Tupi, em São Paulo. Por ali, eu via passar meu conterrâneo mais famoso, nos finais de tarde, enquanto aproveitava a disponibilidade passageira daquelas  celebridades para produzir entrevistas que seriam divulgadas pela Revista Intervalo, da Editora Abril, minha publicação, aos 20 anos de idade.
 
Naquele encerramento da tumultuada década de 60, quando o país suportava uma Ditadura Militar que controlava até a produção artística através do Serviço de Censura da Polícia Federal, o paraense Sérgio Cardoso estrelava, com enorme sucesso, a novela Antônio Maria, da TV Tupi. Mas, pela padaria, ele passava vestido discretamente, sem o bigode postiço – vistoso, negro e bem aparado -, o único artifício que usava para a caracterização de seu personagem naquela novela.
 
Caminhava só, sério, ar abstraído, cansado, em silêncio. Pois vivia, então, uma amarga fase de exílio profissional, embora nela fosse festejado por seus desempenhos em telenovelas como O Cara Suja, Preço de Uma Vida, Somos Todos Irmãos, O Anjo e o Vagabundo, Paixão Proibida, Pigmalião 70, A Cabana de Pai Tomás. Mas a televisão, desde 1966, o obrigava a se manter afastado de sua paixão – o teatro. E o pior: prendia-o a papéis de galã que ele odiava. Antes, no Rio e em São Paulo, por 16 anos, Sérgio tinha recebido prêmios de teatro, como ator, diretor, produtor, cenógrafo, figurinista, aderecista, tradutor, professor de maquiagem, escritor e conferencista.
 
Em 1972, ele decidiu que voltaria de qualquer modo ao teatro. Finalizava a preparação das modulações de voz que ia usar num novo espetáculo, quando um enfarte fulminante o deixou caído, morto, no chão de seu apartamento em São Paulo. No dia seguinte, aquele corpo bem treinado de ator, sem vida, foi acompanhado até o cemitério por quinze mil fãs emocionadas de suas novelas. Em minhas lembranças ficou uma frase de desprezo – espécie de desabafo confidenciado a um conterrâneo – dita por ele sobre seu personagem, num intervalo de gravação da novela Antônio Maria:  “Faço com um pé nas costas”. 

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