Mundo das Palavras

Garrincha, homem de asas nos gramados

Se apenas Nilton Santos houvesse sustentado sempre – como realmente ocorreu – que Garrincha tinha forças e qualidades sobre-humanas, este ponto de vista, nem de longe, poderia ser ignorado. Afinal, no mesmo período, também o psiquiatra-escritor Roberto Freire, criador da Somaterapia, dizia ter se defrontado com um tipo raro de ser humano. Alguém dotado de características excepcionais e transcendentes, mas,como Garrincha, mostrado como um deficiente físico-mental pelos testes utilizados na época. Tratava-se de um jovem, Fernando, esta pessoa, transformada, depois por Freire, no personagem central do seu livro “Coyote”. 
 
Como Fernando, Garrincha também esteve sob observação do psiquiatra. E a respeito do jogador ele escreveu uma reportagem para a edição de março de 1968 da revista Realidade. Nela, Freire classificou as avaliações psicológicas feitas em Garrincha como “brincadeira para quem não sabe o que é Psicologia”.
 
Mas, quem, na realidade, tinha condições de avaliar Garrincha era Nilton Santos. Não faltava autoridade no setor futebolístico a um atleta considerado pela FIFA como o “melhor lateral-esquerdo de todos os tempos”.Além disto, Nilton se tornou campeão do mundo duas vezes pela Seleção Brasileira ao lado de Garrincha. E durante mais de dez anos, vestiu a camisa do mesmo time do Botafogo integrado por ele. Por isto, Nilton viu de perto os espantosos desempenhos de seu parceiro, nos estádios onde ambos jogaram. Os quais, ele nunca se cansou de relatar, com paixão, até o fim de seus dias, em 2003, duas décadas após o falecimento de Garrincha.
 
Do mesmo modo que Nilton, porém, outros profissionais do futeboltambém viram em Garrincha a revelação de uma natureza quase sobrenatural, relembra José Neves Cabral, no site da Folha de Pernambuco. Para muitos comentaristas esportivos,Garrincha “ganhou sozinho”a Copa do Mundo disputada no Chile em 1966. Pelé, contundido, não pôde jogar. 
 
Escreveu o jornalista pernambucano, cujos conhecimentos do passado foram aprofundados numa Pós-graduação de História: nas partidas finais daquela copa, Garrincha, gripado,“pintou e bordou, revelando a sua, até então, desconhecida faceta de artilheiro. Fez gols de pé direito, esquerdo, cabeça e de falta, deixou ingleses e os anfitriões chilenos, literalmente, no chão”.
 
Finalizada a copa, uma manchete de primeira página do jornal esportivo chileno Mercúrio trouxe esta indagação aflita: “De que planeta veio Garrincha?”. 
 
O“Anjo das Pernas Tortas” já era, então, o Ícaro brasileiro.
 

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