Final dos anos 50. Uma década antes do aparecimento da pílula anticoncepcional, as moças podiam abraçar rapazes desconhecidos apenas quando se colavam aos corpos deles, num baile, para dançar, conforme o costume daquela época. Nestas ocasiões, um ritmo musical deixava os casais impregnados da máxima intimidade física consentida: o bolero.
Gênero de cadência lenta e letras insinuantes, dançá-lo, quase sem sair do lugar, apenas fruindo as delícias de cheiros e sensações provocados pela proximidade corporal da parceira, ativava a libido dos rapazes, às vezes de modo inconveniente e embaraçoso. Notório mulherengo – talvez o mais célebre da História do Futebol Brasileiro –, Garrincha dançava bolero com a capacidade inventiva e o senso de liberdade com os quais se portava nos campos de futebol. Uma habilidade do jogador que veio à tona durante a excursão do Botafogo a El Salvador – contou o próprio treinador do time, João Saldanha a Roberto Freire, jornalista da Realidade, numa entrevista divulgada pela revista em março de 1968.
Na véspera do jogo, o jogador desapareceu da concentração, contou Saldanha. A caça a ele, nos lugares da cidade mais frequentados pelas mulheres, foi feita pelo treinador e por Renato Estelita, diretor do time. A certa altura, eles leram num anúncio afixado a um muro: naquele dia ocorria o “Gran Concurso de Bolero”. Os dois não tiveram dúvidas. Partiram para o local do evento – uma boite.
Prossegue Saldanha: “Entramos no La Caverna. Uma multidão se comprimia em torno da pista. Fumaceira dos diabos. A orquestra atacava o maior bolero. E uma dançarina baixinha evoluía pela pista. Rebolava, ia e vinha”. Do outro lado da pista, Saldanha viu Mané: “numa pose de toureiro, atitude ereta, queixo levantado”. Ele era o partner da baixinha. Batia palmas, fazia de conta que ía abraçá-la e a ela escorregava. Quando voltava a rebolar sozinha a torcida vibrava. Renato Estelita ficou furioso com a cena e avançou na direção de Garrincha: – Dá o fora daqui seu pilantra. Mané interrompeu sua dança e começou a rir sem parar.
No dia seguinte, a dançarina ameaçou fazer escândalo público, caso não fosse recompensada pelo Botafogo Queria os 20 dólares do prêmio oferecido pelo concurso. Foi quando o inacreditável aconteceu: Mané, ferido no seu brio de dançarino, passou a fazer a mesma exigência ao clube. Inutilmente, claro. Recebeu só gozações dos outros jogadores.