Mundo das Palavras

Os profissionais da esperança

No filme alemão “Phoenix” (“A Fênix”), a cantora judia Nelly sai do campo de concentração nazista com o rosto completamente desfigurado, quando acaba a Grande Guerra. Sobreviveu graças à sua esperança de recuperar o amor do marido, o pianista Johnny. 
 
O rosto novo de Nelly, obtido por cirurgia plástica, é diferente do original. E, fica relaxado quando ela ouve a música “Speak Low” (“Fale baixo, quando falar do amor. O tempo é tão velho. E o amor tão breve”), que costumava cantar com acompanhamento de Johnny. 
 
Nelly precisa muito se reequilibrar. No entanto, sua sanidade psicológica sofre novo atentado quando a única amiga lhe revela: quem a delatou aos nazistas foi Johnny. Nelly não quer se desesperar. Agarrar-se à outra esperança: a de que Johnny não tenha agido de má fé.  
Passa, então, a buscá-lo incessantemente. E o encontra trabalhando como faxineiro e garçom. 
 
Johnny não a reconhece. Encabulada, Nelly distorce a voz e diz chamar-se “Esther”, na expectativa de que, com o tempo, Johnny venha a aceitar sua nova aparência. 
 
Em Johnny, a aparição daquela “Esther” desperta o desejo de sair da pobreza através da herança de Nelly. Para obtê-la, leva “Esther” ao cubículo onde mora. E lá, prepara-a fisicamente para agir como a antiga Nelly. É essencial naquele plano que os velhos amigos do casal a aceitem sem desconfiança. Nelly, passivamente, se submete àquela vontade de Johnny na expectativa de terem um entendimento mais tarde.    
 
Porém, dias antes da reunião com os amigos, chega às mãos de Nelly uma prova inquestionável da traição de Johnny. E ela se dispõe a vingar-se. Vai à reunião e diz a Johnny que quer cantar “Speak Low” acompanhada ao piano.   
 
Nelly começa a cantar com seu timbre natural para que o som dele caia sobre Johnny como uma lâmina fria. De fato, ao ouvi-lo, ele, imediatamente, percebe: a Nelly verdadeira está bem ali, diante dele. E já sabe que ele a traiu. 
 
Petrificado, Johnny retira as mãos do piano enquanto ela o observa. Depois, Nelly interrompe seu canto. E, calmamente, abandona a sala. 
Com ela, vai o que de melhor surgiu no relacionamento com Johnny: a força das suas esperanças. Enquanto Johnny, como um rato, fica prisioneiro das suas próprias armadilhas.
 
Esta ode à esperança chega em boa hora. Exatamente quando os brasileiros de boa paz, eternos profissionais da esperança, se sentem ameaçados por gente pior que Johnny. 
 

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