Quando nascia um bebê numa tribo africana, seus integrantes adultos criavam uma música para ele, segundo uma narrativa lendária. Depois, ao longo da existência daquele novo membro, a música era entoada em volta dele pela tribo, quando ele atravessava um momento de alegria excessiva ou de tristeza profunda. E precisava recuperar seu comportamento característico.
Em outra ocasião, mais grave, o ritual era usado: quando aquele membro infringia regra considerada sagrada pela tribo. Nesta situação, supunham os membros da tribo, a música também o faria voltar a ser quem fora sempre.
Como as pessoas, as atividades humanas são igualmente identificadas pelas formas próprias como elas ocorrem. Nenhuma música está associada aos comportamentos próprios da atividade jornalística. Mas estes comportamentos existem e, se perdidos, podem ser recuperados através da memória coletiva dos jornalistas, como se fosse a música de um membro daquela tribo. Isto se tornou claro, no incidente criado pela húngara Petra Lazlo, durante sua cobertura jornalística da invasão das fronteiras do país dela por refugiados sírios. Na ocasião, Petra portava um lenço amarrado ao nariz, insinuando de modo grosseiro que mau cheiro pudesse emanar dos refugiados. Em meio às suas filmagens, ela chutou uma menina e um rapaz. Em seguida, esticou uma perna para derrubar um senhor que corria com o filho no colo.
Aquele comportamento chocou um colega dela, e ele passou a filmá-lo. As imagens gravadas por ele levantaram uma onda de indignação que se espraiou pelo mundo. Na Palestina, um jovem artista, Hasan Abadi, pintou Petra, com seu detestável lenço. E, em sua pintura, a perna esticada de Petra derruba Aylan Kurdi, o refugiado sírio de 3 anos de idade, morto dias antes, numa praia da Turquia.
Depois, embora dispersa pelo planeta, a tribo dos jornalistas começou a expressar aquilo que Petra precisava ouvir, como uma música da lenda africana.
No Brasil, o veterano Paulo Nogueira, reproduziu no seu site, Diário do Centro do Mundo, a interpelação que lhe fez um leitor: “Como uma profissão que sempre produziu pessoas de alta consciência social, o Jornalismo, pode abrigar monstros morais como a húngara Petra Laszlo?”. Paulo respondeu: “A explicação não está no afrouxamento do caráter dos jornalistas. Está na ideologia. Petra é nazista”. Outra voz, vinda da Polônia, foi ouvida no Brasil, a do célebre correspondente internacional Ryszard Kapuscinski. No Diário de Pernambuco, Vandeck Santiago colocou numa manchete esta declaração dele: “Pessoas más não podem ser boas jornalistas”.