No Brasil de meio século atrás, as crianças se impressionavam com os espetáculos de coragem oferecidos por trapezistas. Que, pendurados em pequenos aviões, se exibiam a céu aberto, por sobre os telhados das suas casas. A coragemdeles rompia com os limites da porção de ousadia de que um ser humano é comumente dotado. Era, de fato, espetacular. Como acontece também com omedo, o ódio, a dor, o amor e a beleza, revelados em porções desmesuradasnuma única pessoa. Quem as carrega provoca a suspeita de que a vida pode ser experimentada com mais largueza. Por isto, é frequentemente acolhido por escritores e cineastas em suas obras. Pois, se insurgir contra o empobrecimento da vivência humana é próprio das Artes.
No Brasil de meio século atrás vivia em Campo Belo, Minas Gerais, um menino,Eduardo Leite, conhecido pelo apelido – Bacuri (criança pequena) – cujos olhos verdes se tornavam azuis sob efeito de grande emoção.
Como os trapezistas, Eduardo começou a ter uma vida espetacular tão logo cumpriu seu dever de servir ao Exército. Eram, então, os Anos de Chumbo da Ditadura Militar Pós-1964. E, ele, umguerrilheiro em confronto com os órgãos de repressão política.Numa saga que – era inevitável – interessou uma grande profissional das Artes: Maria de Medeiros, a atriz portuguesa, famosa mundialmente. Que, sobre Bacuri, dirigiu o documentário“Repare Bem”, hoje, postado no Youtube.
No filme, depoimentos sobre como eleenfrentou policiaisqueempregavam a tortura como método de interrogatório e extermínio de membros da oposição armada.Sua ousadia de, armado, tomar dinheiro de bancos para manter sua organização política clandestina. Os sequestros de diplomatasestrangeiros para troca de presos políticos massacrados nas prisões. O policial que eleteriaeliminado nesta empreitada.
E mais: o momento em que Denise, sua companheira, foi presa, grávida. E, ele passou a amedrontar os seus carcereiros. Ameaçando, por telefone, atacar as famílias dos torturadores,caso a vida do bebêde Denise não fosse preservada.
Eduarda veio ao mundo. Nesta situação. MasBacuriterminou preso. E, submetido a 109 diasseguidos de tortura. Seu corpo, velado porseus familiares,tinhainúmeras queimaduras, dentes arrancados, orelhas decepadas, dois tiros na cabeça, outros dois no peito. Os olhosverdes que se tornavam azuisforam vazados.
No entanto, Eduardacresceu, no Exterior. E nelareapareceramos mesmos olhos de Bacuri. Sua única vitória indiscutível.
