Mundo das Palavras

O choro misterioso de Elis Regina

Quando escreveu “Atrás da porta” Chico Buarque se integrou definitivamente ao grupo dos “poetas da devastação amorosa”. Na música, Chico pôs, como narradora, a mulher abandonada que se mostra submissa e cheia de autopiedade. Numtexto classificado por Nelson Motta em “Noites tropicais”,como “uma das mais dilacerantes letras de amor e ódio da música brasileira”.Com,acrescentaria, depois, Elis Regina, numa entrevista,“uma dor que não cabe no mundo”. 
 
A música Elis iriagravar em três vídeos diferentes, ao longo de sete anos. Pela última vez, em 1980. Nesta gravação, quando ela canta alguns versos cheios de desesperos (“E duvidei e me arrastei e te arranhei e me agarrei nos teus pelos, no teu peito, teu pijama, nos teus pés, ao pé da cama. Sem carinho,sem coberta,no tapete atrás da porta, reclamei baixinho”) dois especialistas em apresentações cênicas de músicas populares perceberam uma contração involuntária da laringe de Elis Regina. Sua voz, trêmula, por diversas vezes falha, no esforço de segurar choro -registramFausto Borém, professor da Escola de Música da UFMG, e, Ana Paula Taglianetti, mestre em Performance Vocal, numa análiseveiculada na 29ª edição da Revista Per Musici.Eles haviam analisado as outras duas gravações, de 1973, e nelas, constataram,Elis apresentoutotal domínio das técnicas vocais, relacionando-as com acerto ao conteúdo emocional da letra.Numa demonstração de que planejava bem suas performances. 
 
Por que então, em 1980, no auge de sua maturidade artística, Elis não exibiu seu habitual planejamento cênico minucioso? Ao contrário, reduziuo número de movimentos físicos e expressões faciais,mostrandomais “nuances da dor” do que a variedade de sentimentos sempre presente em suas interpretações.
 
A resposta foi dada no mesmo ensaio por Fausto e Ana.Em 1980, Elis dividia o palco com o brilhante pianista César Camargo Mariano – personagem importante da vida pessoal dela (o marido com quem teve os filhos Pedro Mariano e Maria Rita) e de sua carreira. Elehavia burilado a arte de Elisdurante dez anos. Mas, exatamente naquela fase, o casal entrara no “período emocionalmente conturbado” -como o definem Fausto e Ana–da separação conjugal. Viviam um“inferno” que “estava começando a passar para o palco”, segundo declaração para a jornalista Regina Echeverriafeita poroutro músico em atuação naquele palco, Natan Marques. Dois anos depois, Elis morreria.
 
Veja a gravação de 1980 no Youtube:
https://www.youtube.com/watch?v=35FPZR24djg
 

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