Mundo das Palavras

Anjo de Zuzu na obra de Chico

Chico Buarque criava sua obra sob a vigilância intolerante do Serviço de Censura, da Polícia Federal, naquele início da década de 1970, os Anos de Chumbo da Ditadura Militar Pós-1964. Mas queria abordar na letra de “Pedaço de Mim” um tema que, sabia de antemão, seria vetado pelos censores. Tratava-se do assassinato sob tortura do jovem guerrilheiro Stuart Angel Jones, na Base Aérea do Galeão, no Rio. 
 
Chico, então, o disfarçou sob o manto de um  discurso aparentemente lírico-amoroso. Artifício que completou com a transformação da mãe de Angel, a estilista Zuzu Angel, em narradora do texto. Na letra da música, ela desabafa, do modo velado, como impunha o controle dos censores: “Oh, pedaço de mim! Oh, metade afastada de mim! Leva o teu olhar, que a saudade é o pior tormento. É pior do que o esquecimento. É pior do que se entrevar. Leva os teus sinais, que a saudade dói como um barco, que aos poucos descreve um arco e evita atracar no cais. Leva o vulto teu, que a saudade é o revés de um parto. A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu. Leva o que há de ti. Que a saudade dói, latejada. É assim como uma fisgada, no membro que já perdi. Lava os olhos meus, que a saudade é o pior castigo. E eu não quero levar comigo a mortalha do amor. Adeus!”
 
O corpo de Angel jamais foi entregue à família dele. Historiadores daquele período acreditam que tenha sido jogado de um helicóptero da Marinha no alto mar. Este brutal extermínio Zuzu denunciou incessantemente até em passarelas. Desenhou anjos, para evocar Angel, em estampas de roupas, ao apresentar suas coleções. E só se calou porque foi morta num acidente de carro, provocado por agentes da Ditadura.
 
A dor e a coragem de Zuzu apareceriam, de modo mais claro, na letra Chico para “Angélica”: “Quem é essa mulher que canta sempre esse estribilho: ‘Só queria embalar meu filho que mora na escuridão do mar’? Quem é essa mulher que canta sempre esse lamento: ‘Só queria lembrar o tormento que fez o meu filho suspirar’? Quem é essa mulher que canta sempre o mesmo arranjo: ‘Só queria agasalhar meu anjo e deixar seu corpo descansar’? Quem é essa mulher que canta como dobra um sino: ‘Queria cantar por meu menino, que ele já não pode mais cantar’?”. 
 

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