Mundo das Palavras

Faz escuro, mas eu canto

Quem pôde acompanhar o que aconteceu no Brasil, nos últimos cinquenta anos, sabe quantos momentos de desesperança já se abateram sobre nossa população. E sabe, também, que nossos artistas sempre anteviram o fim de cada um destes momentos, com a intuição, a sensibilidade e a consciência coletiva das quais foram dotados. Por isto, acalentaram esperanças, fortaleceram ânimos, com suas obras. Agora é chegada a oportunidade de ouvi-los novamente, com dignidade, serenidade e certeza da verdade anunciada por um daqueles artistas, Glauber Rocha. Através do personagem Corisco, no seu filme "Deus e o Diabo na Terra do Sol". Na cena final, o cangaceiro e Antônio das Mortes se defrontam. Um, símbolo da corajosa resistência entranhada em nossa população – afinal, quem sustenta o País com seu trabalho – outro, símbolo das aves de rapina donas do poder. Já baleado, antes de morrer, no auge da Ditadura Militar Pós-1964, Corisco grita: “Mais forte são os poderes do povo”. Deixemos, agora, que nos falem dois poetas daquele período, Vinicius de Moraes e Thiago de Mello. 
 
O primeiro criou este texto para a música “Marcha da Quarta-feira de Cinzas”, feita por ele junto com Carlos Lyra: “Acabou nosso carnaval, ninguém ouve cantar canções, ninguém passa mais brincando feliz. E, nos corações, saudades e cinzas foi o que restou. Pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se vê, que nem se sorri, se beija e se abraça e sai caminhando, dançando e cantando cantigas de amor. E, no entanto, é preciso cantar. Mais que nunca, é preciso cantar. É preciso cantar e alegrar a cidade. A tristeza que a gente tem qualquer dia vai se acabar, todos vão sorrir, voltou a esperança. É o povo que dança, contente da vida, feliz a cantar. Porque são tantas coisas azuis e há tão grandes promessas de luz, tanto amor para amar de que a gente nem sabe. Quem me dera viver pra ver e brincar outros carnavais com a beleza dos velhos carnavais. Que marchas tão lindas! E o povo cantando seu canto de paz”. 
 
O segundo escreveu o poema: “Faz escuro mas eu canto”: “Faz escuro, mas eu canto por que amanhã vai chegar. Vem ver comigo companheiro, vai ser lindo, a cor do mundo mudar. Vale a pena não dormir para esperar, porque amanhã vai chegar. Já é madrugada, vem o sol, quero alegria. Que é para esquecer o que eu sofria. Quem sofre fica acordado defendendo o coração. Vem comigo, multidão, trabalhar pela alegria. Que amanhã é outro dia, que amanhã é outro dia”.
 

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