Há muitos anos, os professores de Jornalismo apelam para um mesmo artifício didático, o da comparação contrastiva, quando querem fazer seus alunos compreender rapidamente o critério da proximidade, usado nas Redações para estimar a relevância de uma notícia. Àquela altura, eles já terão ensinado outro critério, que leva em conta o número de pessoas envolvidas. Dizem: "Num jornal, a notícia de que o cachorro do seu vizinho mordeu a perna de um transeunte você, certamente, lerá com maior interesse do que a de um acidente grave, na Ilha de Bohol, na Ásia".
Sobre esta ilha filipina não havia nenhuma notícia, no último dia 9, no site da Folha de São Paulo. Mas, num espaço denominado "Imagens do Dia", estava uma dezenas de legendas curtas, debaixo de fotos de acontecimentos ocorridos em lugares igualmente muito afastados do Brasil. Como: a comemoração do Dia da Memória em Najaf, no Iraque; a presença da neta de Algirdas Butkevicius, 1º Ministro da Lituânia, numa cabine de votação; a realização de um festival em Fujian, na China.
No meio daquelas legendas, uma delas, com 17 palavras, mencionou "milhares de pessoas" numa cerimônia religiosa realizada anualmente. Na foto correspondente, umas 10 mil pessoas. Para merecer um texto tão curto, deveria ter ocorrido num local bastante longínquo.
No entanto, quem já conhecesse aquela cerimônia logo perceberia que a foto mostrava apenas parte de uma grande multidão. Pois, a ela não comparecem "milhares" de pessoas. Mas, acima de dois milhões. Como mostra a imagem postada no mesmo dia no Facebook, por Aldrin Moura e aqui reproduzida.
O número de dois milhões de pessoas é oficial porque aceito pela Unesco, desde quando seu Comitê Intergovernamental Para Salvaguarda dos Patrimônios Imateriais tornou aquela cerimônia religiosa patrimônio cultural da humanidade.
Isto ocorreu em 2013, na reunião do comité, em Baku, no Azerbaijão. Da qual participaram 800 delegados de cerca de 100 países. Na ocasião, o comité considerou a concentração religiosa como uma das maiores do mundo. Registrando ainda que ela ocorre desde 1793.
O pior de tudo: havia um desrespeito aos critérios jornalísticos ainda maior no site. Já que a cerimônia não ocorre em nenhum país remoto. E sim dentro do Brasil. É o Círio de Nazaré, de Belém, do Pará.
Terão resultado de que estas distorções? De incompetência? De preconceito regionalista?