Uma entrevista cheia de ciladas. Assim poderia ser descrita a matéria publicado pela Folha de São Paulo, no último dia 27, com a assinatura da repórter Estelita Carazzai, de Curitiba. Nela estava evidente a disposição do jornal em acirrar os ânimos da população contra os alunos que ocupam 1.154 escolas – espalhadas por todo o País, mas concentradas no Paraná -, num protesto contra medidas tomadas pelo Governo Federal na área da Educação. Na matéria, o jornal inseriu alegações falsas e caluniosas sob o manto de questionamentos jornalísticos ao ouvir a estudante secundarista, Ana Júlia Ribeiro, de 16 anos que, na véspera, tinha defendido as ocupações das escolas na tribuna da Assembléia Legislativa do Paraná, num pronunciamento de ampla repercussão. Inicialmente, a repórter atribuiu dois de seus questionamentos, a terceiros: 1ª) "Muitas pessoas que se opõem ao movimento de ocupação dizem que os estudantes estão sendo usados politicamente". 2ª) "Há politicos que vinculam as ocupações a um movimento de esquerda, que quer pressionar os governos Temer (PMDB) e Beto Richa (PSDB)".
Depois, formulou a questão mais delicada surgida neste protesto estudantil – o trágico assassinato de um aluno, Lucas Mota – com os mesmos termos carregados do ódio como ela aparece nas redes sociais. O caso já havia sido esclarecido pela Polícia. Resumira-se ao seguinte: Lucas chegou drogado à escola ocupada. E foi morto num local fora do alcance da visão de seus colegas – um dos banheiros da escola – por um amigo de infância e colega, também menor de idade, num disputa por droga. A repórter, contudo, se reportou ao caso com estes questionamentos: 1º) "Muitas pessoas culpam as ocupações pela morte do estudante". 2º) "A ocupação de vocês já foi alvo de algum protesto?" 3º) "Vocês temem o acirramento das tensões agora, depois da morte do aluno?"
Na verdade, já havia muita tensão, provocada por mensagens agressivas na internet. uma pessoa que se apresenta como "professora" e "figura pública", postou. no Facebook estas mensagens, na esteira da repercussão do pronunciamento de Ana: "Uma adolescente doutrinada por professores comunistas faz discurso totalmente vazio". "A iniciativa de invadir escolas não é dos alunos, eles estão sendo usados como massa de manobra por professores, sindicatos e partidos de esquerda". Debaixo das mensagens, surgiram estes comentários: "Tenho pena desta geração. Será que uma surra resolve?". "Se fosse minha filha, já teria levado uns belos tabefes, p´ra criar vergonha na cara. E queria ver quem ou qual lei se atreveria a me impedir".
No dia seguinte, houve maior acirramento, registrados pela própria Folha de São Paulo, em dois Estados. No texto "Manifestantes e MBL tentam desocupar escola no Paraná" assinado pela mesma repórter, junto com outra, Martha Alves, o jornal publicou: "Manifestantes e integrantes do MBL-Movimento Brasil Livre contrários às ocupações de escolas tentaram retirar estudantes do Colégio Estadual Lysímaco Ferreira da Costa, em Curitiba, na noite desta quinta-feira. A ação durou cerca de duas horas. Por volta das 21h, ao menos cem pessoas forçaram a entrada no colégio, no bairro Água Verde, de acordo com o advogado Paulo Lenzi, de um grupo de defensores das ocupações. Ele disse que parte do grupo arrombou um portão e o restante entrou no local com ajuda do diretor da escola. O advogado disse que integrantes do MBL tentaram depredar o colégio e arrombaram o portão que dá acesso à escola, onde estacionaram um carro com equipamento de som".
Em outra matéria, foi mostrada a foto de jovens presos pela Polícia, postada aqui, junto com o texto "Alunos são algemados após serem retirados de escola invadida no TO". Segundo o jornal, o promotor da Infância e Juventude de Miracema do Tocantins, Vilmar Ferreira de Oliveira alegou que os alunos foram algemados para impedir que agredissem policiais. Por ordem dele, a escola dos jovens foi desocupada pela Polícia porque "não houve acordo para a saída dos manifestantes".
Antes de a Folha de São Paulo divulgar estes textos, Ana Júlia, diante dos deputados paranaenses, já tinha revelado que provoca preocupações, entre os participantes das ocupações de escolas, tanto as acusações de que se deixam manipular politicamente, como o comportameno de veículos de comunicação semelhante ao daquele jornal. Na sua manifestação, ela convidou a consultar a legislação existente sobre Educação, quem tivesse dúvidas sobre a legalidade e a legitimidade da iniciativa dos estudantes. E, acrescentou: "É um insulto a nós que estamos lá – nos dedicando, procurando motivações todos os dias, – sermos chamados de 'doutrinados'. É um insulto aos estudantes, aos professores. A nossa dificuldade em formar um pensamento é muito maior que a de vocês. Porque temos de ver tudo o que a mídia está nos fazendo. Iniciar um processo de compreensão, e, de seleção, para conseguirmos decidir sobre o que vamos ser a favor e do que vamos ser contra. É um processo difícil. Não é fácil para um estudante decidir sobre o que lutar. Nós não estamos lá brincando. Sabemos pelo que estamos lutando. A nossa única bandeira é a Educação. Nós somos um movimento apartidário. Somos um movimento de estudantes que luta pelos estudantes. Que se preocupa com as gerações futuras, com a sociedade, com o futuro do País".
Muito diferente do que lhe foi dispensado pela Folha de São Paulo foi o tratamento dado à Ana por dois veteranos do Jornalismo brasileiro. Kiko Junqueira, fundou a Revista Alfa, editou a Veja São Paulo, dirigiu as redações de Viagem e Turismo, e, do Guia Quatro Rodas. Sobre Ana, ele escreveu no blog Diário do Centro do Mundo, "Aos 16 anos, a menina deu uma aula de democracia aos deputados da Assembleia Legislativa do Paraná".
Em outro blog, o Jornal GGN, um membro do antigo Conselho Editorial da própria Folha de São Paulo, Luis Nassif, afirmou que, na assembléia paranaense, Ana foi tudo: "informada, cidadã, contundente, doce, emocionada, feroz". Ele escreveu ainda: "ela ensina como é que deve ser o exercício de se posicionar. Se colocar frente às realidades do País. Enfrentar as adversidades e a tristeza de perder um amigo numa sociedade que não sabe o que está acontecendo hoje". E concluiu: "A estudante coloca a juventude no seu lugar: o de construtores de uma nova Nação. Uma Nação que se importa com seus cidadãos. Ela é tudo o que os adultos precisariam ser: íntegra!".