Mundo das Palavras

O pecado do Al Capone de Ipanema

Grande parte dos eleitores brasileiros que ainda admira Fernando Henrique Cardoso ficou perplexa com o surgimento do nome de Aécio Neves na chamada delação premiada feita à Justiça por Joesley Batista, dono do Frigorífico JBS. O ex-presidente da República foi sempre um defensor público de Aécio, enquanto ele comandou nacionalmente o PSDB. No entanto, em gravações feitas por Batista, depois entregues ao Ministério Público Federal, Aécio aparece como um dos ocupantes de altos cargos públicos com os quais o megaempresário executou  crimes financeiro-administrativos que deram grandes prejuízos, sobretudo à população pobre do País. 
 
Numa das gravações, Aécio se manifesta através de palavrões pesados. Chama o ministro da Justiça de “bosta”, e de “merda” as Dez Medidas Contra a Corrupção, em tramitação no Congresso. E revela: “está assustando um pouco” Rodrigo Maia, presidente daquela Casa Legislativa. Chega até a falar na hipótese de mandar matar um enviado que fosse pegar os subornos pagos a ele por Batista para que não os delatassem.  Não foi à toa que Luís Felipe Miguel, professor titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, deu-lhe o apelido de “Al Capone de Ipanema”. Pois, como é sabido, Aécio frequenta assiduamente praias e bares noturnos do Rio de Janeiro, conquanto tenha feito carreira política em Minas Gerais.
 
A gravidade destes fatos – chocantes, sobretudo para quem vota nos candidatos do PSDB -, não foi, porém, o que incomodou alguns dos aliados de Aécio.  E sim a linguagem dele, ao praticá-los, registrada nas gravações liberadas, há poucos dias, à imprensa pelo Supremo Tribunal de Justiça.  
 
“Dois importantes senadores do PSDB se disseram chocados com os palavrões proferidos pelo senador Aécio Neves nos diálogos gravados por Joesley Batista. Ministros também ficaram espantados com o linguajar chulo” – revelou numa nota o jornal O Estado de S. Paulo. Seu título: “Ministros e senadores tucanos ficam chocados com palavrões de Aécio”. 
 
O prefeito de São Paulo, João Dória, considerou “estarrecedora” a “fala do colega de partido durante o diálogo com Joesley Batista”, segundo a Revista Veja. Aécio tentou se justificar, num texto que escreveu para a Folha de São Paulo e reproduziu oralmente no Jornal Nacional. Começou reivindicando para si o papel de quem tem se “dedicado a tentar construir um país melhor”, ajudando “o presidente Michel Temer no árduo trabalho – bem-sucedido, ele acredita -, de reerguer o País. Depois, explicou por que permitiu a Batista – um “réu confesso”, “criminoso sem escrúpulos, sem interesse na verdade” – gravar “covardemente” conversas com ele, “querendo apenas forjar citações que o ajudassem nos benefícios de sua delação”. Por puras ingenuidade e boa-fé, sustentou Aécio.
 
Ele, por isto, não somente lamentou esta sua "ingenuidade", “sinceramente”. Também quis se penitenciar. Do pecado – o único admitido – de ter empregado, disse ele, “um vocabulário que não costumo usar…ao me referir a autoridades públicas”.
 
Portanto, o aspecto considerado grave, do comportamento de Aécio, para estes membros da chamada elite política brasileira se restringiu unicamente à utilização de vocabulário “chulo”. Quase uma traição de classe. Pois, chulo, segundo os dicionários, é um linguajar “grosseiro e rude; desprovido de educação; sem delicadeza, nem requinte”. Reservado, presume-se ao populacho suarento. Uma pobre gente que não teve acesso ao registro de linguagem culta porque só frequentou escolas mal equipadas, e assistiu a aulas dadas por professores embrutecidos pelo excesso de trabalho e por má remuneração. Embora, segundo os linguistas, em nada, suas formas de expressão possam ser consideradas inferiores. Estas pessoas sobrevivem mal alimentadas. Maltratadas, todos os dias, nos transportes públicos que usam para chegar a seus locais de trabalho. Pois moram em lugares distantes, com desconforto. Onde morrem, se adoecem, sem assistência médica adequada. Porque as riquezas que produzem coletivamente, extraindo forças, por milagre, de si mesmas, não as recebem, de volta, através de seus direitos sociais, garantidos pela Constituição. Já que, antes disto, elas são roubadas pelos Joesley e Aécios. "Refinados". 
 

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