Mundo das Palavras

Sexo falado

Paulo Coelho e Rita Lee, inquietos (e gozadores), perguntaram numa letra de música, de 1976: “Ai, ai, meu Deus! O que foi que aconteceu com a Música Popular Brasileira”. 
 
Oito anos antes, a Ditadura Militar havia imposto censura rígida no âmbito da criação artística. Retirando a liberdade com a qual os letristas da MPB vinham tratando dos problemas brasileiros, desde os mais graves até os que merecem apenas ironia. 
 
A corrupção, por exemplo, apareceu em “Ali Babá”, de Alberto Ribeiro: “Ali, você matou 40 ladrões, mas, aqui, tem aos milhões”. 
 
A falha no abastecimento de água, em “Tomara que chova”, de Paquito e Romeu Gentil: “A minha grande mágoa é, lá em casa, não ter água”. 
 
A opressão social da mulher, em “Lata d´água”, de Luís Antônio e Jota Junior: “Lata d´água na cabeça, lá vai Maria. Maria lava roupa lá no morro, lutando pelo pão de cada dia”. 
 
O sufoco nos transportes coletivos imposto aos trabalhadores, em “Zé Marmita”, também de Luís Antônio: “Quatro horas da manhã, sai de casa o Zé Marmita. Pendurado na porta do trem”. 
 
O vício da adulação, em “Cordão dos puxa-sacos, de Roberto Martins. 
 
A ociosidade de funcionários públicos, em “Maria Candelária”, de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas:  “Coitada da Maria, trabalha de fazer dó. A uma vai ao dentista, às duas, vai ao Café, às três, vai à modista, às quatro, assina o ponto e dá no pé”. 
 
Em 1988, aquela censura foi extinta. Hoje, 29 anos depois, os letristas expressam apenas – e obsessivamente – desejos sexuais. (Como na imagem criada pela artista grega Ira Tsantekidou, postada junto com este texto). Segundo o site especializado “musicasmaistocadas”, as dez primeiras músicas numa lista de 200 trazem o seguinte: 
 
A 1ª (“Ar Condicionado no 15”): “Já pensou? O ar condicionado no 15…e a gente se amando? ”. 
A 2ª (“Amigo taxista”): “Rapaz, é difícil demais gostar dessas muié bandida”. 
A 3ª (“Regime fechado”): “Não quero advogado, quero regime fechado com você, meu amor”. 
A 4ª (“Avisa que eu cheguei”): “A gente vive apenas uma vez, então se arrisca, beija, acerta, erra”. 
A 5ª (“Na conta da loucura”): “Quero sua cama passageira, a sua temperatura”. 
A 6ª (“Paradinha”): “Tu me quieres solo a tu manera”. 
A 7ª, (“Despacito”): “Quiero desnudarte a besos”. 
A 8ª (“Cê acredita”): “Se joga em cima de mim, que hoje, tem”. 
A 9ª (“Senhorita”): “Vou te chamar e te dar meu coração”. 
A 10ª (“Amante não tem lar”): “Amante não tem lar. Amante nunca vai casar”.
 
Não há, nestas letras, como se pode ver, espaço sequer para aquela inquietação de Paulo Coelho e Rita Lee. 
 

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