Amizade. A palavra adquiriu novo sentido, nas últimas décadas. Concordam neste ponto todos os estudiosos dos relacionamentos humanos. Porém quando identificam o novo significado que a palavra passou a ter e o momento histórico em que isto aconteceu, a concordância entre eles desaparece.
Uma parte deles se junta à psicóloga Juliana Spinelli Ferrari. Para ela, as relações de amizade, no passado, surgiam no âmbito familiar. Hoje, se estabelecem na esfera mais ampla das relações sociais. Sobretudo, entre pessoas do mesmo sexo, idade ou escolaridade.
A psicóloga sustenta, no artigo “As amizades influenciam?”: um grupo de amigos, para quem o integra, é fonte de referência comportamental. Uma espécie de agente socializador de indivíduos. No grupo, cada experiência vivida no cotidiano de seus membros adquire um significado. Nele, normas e regras para a vida em sociedade são assimiladas. Diferentes das obtidas nos ambientes familiares.
Outro psicólogo, Jorge Elói, afinado com Juliana, detecta no grupo a ação de poderosa influência sobre seus membros. Tão intensa a ponto de ajudar a construir a identidade de cada um deles. Elói diz isto no artigo “Amizade: importância psicológica e características”.
De fato, os grupos de amigos tiveram esta força, num momento histórico brasileiro – o dos anos 60. Foram eles que garantiram afeto, compreensão profunda de angústias existenciais e até satisfação sexual a jovens brasileiros, àquela altura, acossados pela intolerância da Ditadura Militar, abalados nas crenças religiosas, e, em conflito com os valores tradicionais das famílias.
Um belo registro do clima amoroso e sensível instalado, pela amizade, entre dois jovens, naquele período, há no diálogo que compõe a letra de “Amigo é para essas coisas” composta em 1970 por Aldir Blanco e Sílvio da Silva Jr., para um festival universitário. No diálogo um jovem, desempregado e deprimido, encontra apoio afetivo e material num amigo. Numa solidariedade semelhante a dos jovens partisans que enfrentaram o fascismo, na Itália, mostrada no filme de Ettore Scola, “Nós que nos amávamos tanto”, da década de 70.
Diferentemente do que sustentam Juliana e Elói, outra parte dos pesquisadores dos relacionamentos humanos, não encontram mais, atualmente, este tipo de amizade. Para eles, ela perdeu-se naquele período da segunda metade do século XX. Depois que a economia mundial se tornou instável e a globalização espalhou pela população do planeta recursos gerados por suas novas tecnologias destinados a usos individualizados – como a internet e os celulares. Desde então, eles dizem, extinguiu-se a convivência próxima, comunitária existente naqueles grupos de amigos, que comungavam de modo duradouro de certezas, no respeito aos mesmos valores. Nos dias atuais, segundo estes estudiosos, as pessoas se ligam através de laços momentâneos, superficiais, volúveis, poucos seguros, descartáveis, como os criados nas redes virtuais.